QUEM COM FERRO FERE... COM FERRO SERÁ FERIDO: O DENTE.....

Aquela tarde, Dona Cotinha havia saído para entregar as roupas que lavava para um boa freguesia desde o falecimento de Joaquim, seu marido, aos 42 anos de idade, vítima de uma picada de Jararaca, que ele puxou, sem perceber, ao revirar um monte de ervas daninhas que ele carpira e estavam secando ao sol; quando revirou o monte de capim seco, a Jararaca veio quase que voando, e caiu sobre a perna de Joaquim, ele só sentiu a picada, gritou pros seus companheiros de roça, para que alguém fosse embora mais cedo, da roça, que ele iria junto, pois perdia os movimentos da perna picada bem próximo do joelho, sua visão começou a ficar turva, o local onde a cobra fincou suas presas, estava inchado. Chamaram o Dr Firmino, que atendia o vilarejo, e ele mostrou-se preocupado, pois mesmo não havendo sido fatal, o veneno da Jararaca atacaria seus rins. E foi o que aconteceu... Depois de semanas de muitas dores no local da picada da Jararaca, a ferida que se formou, começou a cicatrizar, e só ficou uma cicatriz funda, escura, e com a pele muito fina, e ele voltou ao trabalho na roça. Porém não aguentava mais do que duas horas de trabalho. Uma forte dor na altura dos rins o prostrava. Era uma fraqueza imensa.

Joaquim deixou de ir para a lavoura e ficou muito triste, pois estava com 42 anos de idade e se sentia como um velho. Andava com dificuldade, com o corpo curvado e ficava muito cansado, e sob suas pálpebras inferiores formaram-se duas bolsas de inchaço.

Foram morar na cidadezinha, onde os filhos poderiam ir à escola, e Cotinha, sua esposa, poderia trabalhar como lavadeira, e assim garantiriam a sobrevivência, ainda mais que ela estava grávida, e logo o bebê nasceria. E assim fizeram, mudaram-se para uma casinha bem arrumadinha, e pagavam aluguel para o dono da casa, um conhecido de um primo de Cotinha, que residia na cidadezinha.

Joaquim piorava a olhos vistos, seus rins danificados pelo veneno da cobra, entrou em falência, e ele morreu algumas semanas antes de seu filhinho nascer.

Cotinha se desdobrava na lavagem de roupas de 4 freguesas, para pagar o aluguel e sustentar seus cinco filhos. Os maiores entregavam as roupas lavadas e passadas, para que ela ganhasse um pouco mais.

As crianças entre 16 anos e alguns meses, não tinham nenhuma regalia. E a única alegria quando chegavam do Grupo Escolar, era brincar um pouco com Veludo, um cão de pelo longo, negro como a noite, e que ajudava na segurança da casa à noite.

João Grande, era o açougueiro da minúscula e pacata cidadezinha do interior de São Paulo.

Talvez pelo cheiro de carne que se impregnasse em suas roupas, quando passava pela frente da casa de Dona Cotinha, seu cachorro Veludo, latisse sem parar.

Era todos os dias. Veludo podia estar dormindo sossegado, mas ao apontar na esquina, João Grande já vinha de cara amarrada, revelando a enorme raiva que guardava, daquele vira latas.

Veludo não se intimidava com os gritos de Dona Cotinha. Ficava enlouquecido latindo sem parar, e querendo pular o muro baixo que cercava a casa, mesmo se estivesse na coleira, sua corrente precisava ser forte, senão era uma corrente por semana.

João Grande, poderia passar do outro lado da rua, mas parecia fazer questão de passar bem rente ao muro para provocar o estardalhaço do Veludo. E naquela tarde, preparou um punhado de carne moída com veneno e ao passar pela casa de Cotinha, como não tivesse ninguém ali, atirou a “bola” para dentro do quintal.

Veludo abocanhou a carne e a devorou imediatamente. João Grande esperou o animal comer a isca envenenada, e saiu com uma risada sarcástica na cara e falando - Adeus Cão dos Infernos! Quero ver você vir latir pra mim amanhã... Quero ver!!! –

Quando voltaram da escola, as crianças acharam Veludo muito parado, meio triste, não queria brincar nem correr...

À noite, ouviram ganidos, mas pensaram ser outro cão.

Pela manhã, veludo babava um filete de sangue. Tremia e gania baixinho, Não se levantou mais. Dentro de algumas horas Veludo morreu, Deixando as crianças em prantos.

Cotinha com muita pena do animal que protegia sua casa, falou: - Tenho certeza de que foi o malvado do João Grande! Mas ele há de morrer da mesma forma que o Veludo morreu!!! –

O tempo foi passando. Arrumaram outro cachorrinho, que não era tão bom guardião, mas alegrava as crianças...

João Grande,resolveu fazer uma coroa de ouro num molar que estava dando trabalho. A cárie já havia estragado muito o dente, e além do mais estava na moda fazer uma ou mais coroas de ouro nos dentes, que brilhavam a cada gargalhada, que o dono da relíquia fazia questão de exibir. Foi ao único dentista do arraialzinho, e em alguns dias apareceu rindo até de “ martelada na unha”, só para exibir a coroa amarelona e brilhante. Naquele dia foi até comer na pensão da cidade. Riu muito durante o almoço. Dava gargalhadas escandalosas escancarando a bocarra ao máximo e perceber os olhares de admiração dos amigos. ELE TINHA UM DENTE DE OURO!!!

Pagou o almoço e foi pra casa repousar. Mandou o sócio abrir o açougue de tarde, porque ele não voltaria a trabalhar aquele dia.

Sua mulher era a professora da cidadezinha, e quando terminou o expediente, voltou para casa. Encontrou o marido dormindo no quarto, encostou a porta e foi cuidar de suas coisas. Depois, como ele ainda dormisse, ela foi até à casa de sua mãe, onde ficou para o cafezinho da tarde... e quando voltou para casa João ainda estava dormindo... Entrou no quarto, e notou que ele parecia não respirar. Mesmo porque ele costumava roncar muito, e não emitia nenhum ruído. Ele dormia de lado. E quando sua esposa o tocou, ele “caiu” para o lado, ficando de barriga para cima. Foi quando sua mulher deu um grito de pavor! Seu rosto se apresentava arroxeado, e de sua boca escorria uma baba esverdeada... João Grande estava morto!

O dente “de ouro”, era na verdade de COBRE, e com o vinagre da salada que ele comeu no almoço, houve uma reação entre o Ácido Acético, do Vinagre, e o Cobre do dente, formando AZINHAVRE, um potente VENENO, que ele foi engolindo enquanto dormia.

Assim, o vaticínio de Dona Cotinha se concretizou:

Ele morreu da mesma forma que matou Veludo.

ENVENENADO pela boca!!!

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Cléa Magnani
Enviado por Cléa Magnani em 27/01/2021
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