"O MUNDO FOI FEITO PARA QUEIMAR"

- Nanço , Ainda nem fiz o café, Breno tava brincando com fogo ontem e deve ter perdido o isqueiro.

- Vamos, Lindalva deixa isso aí, se não, vamos nos atrasar para irmos á missa.

- só estava tentando adiantar as coisas

Aos domingos ainda crepúsculo, como de prastes eu e minha esposa fomos a feira,

esse horário costuma não dar muita gente.

Na ocasião decidimos tomar café no boxe de Dona Geralda, após uma boa cumbuca de mingal de canjica e canela, atravessamos a avenida 15 de novembro para comprar algumas verduras, nesse dia parecia que todo mundo tinha decidido ir mais cedo à feira, lá parecia um caldeirão de gente pra lá e para cá com as mãos e costas cheias de bagulhos que se caísse um pouco d'água dava uma boa sopa por conta do calor que faz lá dentro. Como moramos perto deu tempo de deixamos as sacolas em casa antes de irmos a missa.

No caminho para a igreja encontrei seu Juraci juntando folhas para queimar,

Como ele é muito meu amigo tive a liberdade de provoca-lô.

- Seu Juraci, o Senhor já amanheceu com vontade de fazer fogo? Vou já lhe denunciar no meio ambiente. Ri e esperei a volta.

- Que isso Venâncio o mundo foi feito pra queimar, imagina esse lixo todo sem queimar.

Apesar de discordar do amigo, fiquei incucado com que ouvi. Nao, o Mundo não feito pra queimar. De onde ele tirou isso?

Lembrando do itinerário nos despedimos do vizinho.

- Pois é seu Juraci, temos que ir, a missa já deve está começando, mais tarde ainda vamos atravesar a cidade, vamos almoçar na Dorinha,

E pelo jeito o sol hoje vai ser bem quente.

Novamente Juraci com convicção e veemência defendeu sua tese

- Já lhe disse, homem o mundo foi feito pra queimar. Os fatos já comprovam isso, e não sou eu que vou mudar isso.

Retruquei.

- Deixe de besteira, esse negócio de aquecimento global é invenção de ONGs, tudo para ganharem dinheiro. Eu não acredito que o mundo esteja mais quente do que antes.

Após essa muvuca de argumentos, sem consenso, a mulher achando a conversa sem graça me olha preocupada com o possível início da missa, e assim saímos. Quando adentramos à igreja a liturgia já se encontrava adiantada. Na homilia o padre fez o sermão que contava a história de um homem Rico e um pobre, um desses homens queimava no inferno. O outro parece que foi pro céu, mas não sei por que o padre insistia tanto no que queimava no fogo eterno, após a missa entre um aperto de mão e outro trocamos algumas conversas com os mais chegados, logo ficamos sabendo que dona bené estava doente por isso fazia dois domingos que não ia a missa. Diante das testemunhas formalizamos uma visita a cumadre. Ao retornar para casa, minha outra filha já tinha dado um Jeito de aceder o fogo e passar o café, rasguei uma tira de tapioquinha, soprei um quarto de café na xícara e levei alguns goles á boca enquanto esperava Lindalva arrumar as vasilhas antes de saírmos novamente.

Conforme acordado, saímos mais cedo em direção a rua Manaus no bairro do Jauari onde residem o casal Alcides e Dona Benedita, cumprindo a promessa feita na igreja diante de Deus e dos homens.

solidário o cumpadre Alcides no meio da prosa me ofereceu um café.

Justifiquei que não podia demorar,

- Hoje a visita é rápida passamos aqui só para saber como estava a cumadre.

- Não se aveche não, cumpadre, tome um café ainda está cedo.

Pensei, café de novo não, vou pedir uma água pra terminar de esfriar o mingal e o café ainda queimando no meu estômago.

Mas Fazer uma desfeita parece falta de educação recusar um gole de café.

- vou tomar um pouquinho

Entornei a garrafa na caneca e logo senti o aroma e o vapor rondando minha imaginação. Antes mesmo de alcançar o paladar no primeiro gole senti uma ebulição labial.

O cumpadre de imediato percebeu o desconforto agudo, e rindo disse:

- Parece até que foi feito no fogo

Pra que?

A Maldita frase do Juraci sussurrava e persistia em rondar o infortúnio.

"O mundo foi feito pra queimar"

Enquanto isso Dona Bené fazia as honras no quarto relatando a Lindalva as dificuldades de locomoção, as dores nos joelhos a impedia de fazer as coisas. De vez em quando esqueciam as dores e falavam sobre outras coisas, atualizaram as mortes da semana, trocaram receitas e até se receitaram uma com a outra, Lindalva falava de tudo com comadre menos de ir embora, as duas pareciam adolescentes com tanto assunto.

-Cumpadre não vamos demorar, hoje vamos almoçar na casa da minha filha Dorinha, agora ela tá morando em uma invasão por trás do pólo moveleiro.

Sinalizei a Lindalva que estava no cômodo ao lado que precisávamos ir. nos despedimos sem me dar conta que deixei o chapéu de palha sobre a mesa do compadre.

O ponteiro do relógio passava das 10 : 30 h mas o Sol escaldante já queimava bem.

Até tentei avistar um mototaxi, mas o domingo estava tão insalubre que não aparecia um. Apesar da distância Lindalva sempre teve suas objeções a mototaxi, principalmente desconhecidos.

- Nancio, vamos andando mesmo quero passar na rua Borba.

Lindalva queria comprar umas presilhas de cabelo pra nossa bisneta de três anos. Em nome da Ana Alice, me convenceu fácil.

No meio da caminhada senti falta do bendito chapéu, quiz culpar a mulher pela recusa do translado, a mulher otimista me interrompeu com um afago e disse vamos já chegar. Ainda não contava um quilômetro desse afago,

Um certo religioso de voz rouca que pregava na calçada do antigo espírito santo usando uma caixa amplificada com muita eloquência me lembrava que conforme escrito na palavra de Deus: Do mundo não ficará nem raiz nem ramo. Pois Tudo o fogo consumirá. Diminui os passos enquanto prestava atenção no pregador, quis seguir mas o sinal de trânsito amarelou para ficar vermelho.

Tive a impressão que o pregador falava para mim.

Olhei em direção ao sol fumegando que marcava por volta das 11:00 h

Novamente me veio a frase , será meu Deus que o mundo foi feito pra queimar?

Durante a semana o sol alternou com dias brandos. Só foi chegar o domingo pro astro rei demostrar sua fúria.

Por motivos intestinais eu não posso comer comida seca e minha filha sempre faz uma comida a parte dos constantes assados. Mas naquele dia se por algum motivo ela tivesse esquecido do meu problema eu a perdoaria.

Ao chegar por volta das 12: 10 h fui recepcionado por muitos pedidos de bênção. A partir do terceiro Deus te abençoe optei por uma benção coletiva, não é por nada não, tava demais já quente e homem sem paciência não raciocina direito. Também por que que eu fui incucar com essa de o mundo foi feito pra queimar? A essas horas parecia que o cérebro fritava, até uma dor de cabeça se alojou de tal forma que eu não conseguia pensar em outra coisa.

As horas parecia não passar, até que

Minha filha muito jeitosa se mostrou no batente.

- Papai, tem café na garrafa.

Ignorei a franquia universal, o relógio da parede tremia os ponteiros nas 12:45 h.

Pensei:

- Isso é hora de cristão comer?

Olhei para churrasqueira no quintal, a carne queimava em brasa, de vez enquando a gordura caia sobre o carvão que virava labareda e levemente lambia a carne, e eu novamente

"o mundo foi feito pra queimar.

Pela primeira vez aquela frase fez sentido. Desejei Como nunca comer aquela iguaria. Chamuscada. Já pensou comer comida sem levar ao fogo. Até arrisquei entrar na fila para pegar um pedaço de carne. Mas tinha mais gente com prato na mão, do Que carne pronta.

Antes mesmo de eu acentar a mesa sentir uma quentura muito forte vinda do vagão onde ficava o fogão a gás.

Dorinha estava tão atarefada, que nem teve tempo de admirar o agrado no cabelo de alicinha. Tinha mais o que se preocupar. Levava tão a sério essa história de que eu não posso comer comida seca que já havia feito outra iguaria.

Tentei chamar atenção do meu Neto na churrasqueira pra me confiar um pedaço de carne. Mas a labareda o prendia muito mais. De forma lijeira Dorinha reorganiza a mesa retirando alguns utensílios matinais sobre a mesa e realocando pratos e talheres enquanto ordena a filha.

- Minha filha tráz logo a comida do teu avô.

Sem ter como voltar atrás istataneamente uma neta minha se aproximou com uma panela que eu ainda estava tentando adivinhar o conteúdo, de ambos os lados dois guardanapos garantia o translado da iguaria com segurança, a forma como estava sendo conduzida meu almoço eu sabia tinha acabado de sair do fogo. Ainda sem me recuperar do forte Sol da viagem,

E um suor que não parava de vazar, Ela abriu a panela e disse:

Olha, vovô do jeito que o senhor gosta. Simultaneamente meus olhos se dirigiram para o interior da panela.

- Caldeirada de tamuatá. Vou já buscar a pimenta para o senhor.

Disse ela com ternura.

Sem chances de fazer escolhas, pensei no homem que não foi para o céu porque era rico e até aquelas horas queimava no inferno, e eu que sou pobre porque estava queimando também? pensei na frase do Seu Juraci, olhei ao redor, o sol em tudo que pegava fazia enrigecer, voltei os olhos para o interior da panela, vi os tamuatás cobertos com bastante tempero, lembrei de onde poderia ter vindo as verduras e o pescado, sim só pode ter vindo daquela muvuca de feira, e agora se desfaziam em água fervente, pois bem, com fome eu não ia ficar, já que o mundo foi feito pra queimar, lá fui eu tomar uma calderada de tamuatá com uma boa pimenta ao molho de tucupi.

Depois de uns 20 minutos amaciando uma farinha de mandioca baguda em caldo fervente, enquanto eu queimava por dentro, falei:

- É minha filha, eu ainda tinha dúvidas mas depois de tudo que me aconteceu hoje, seu Juraci tem razão,

o mundo foi feito pra queimar e não há nada que eu possa fazer.

Dorinha sem entender nada perguntou:

- Que isso papai? Não fale uma coisa dessas.

Após o almoço cada um procurou um canto da casa pra descansar, Dorinha deitada entre o corredor da casa e o vão da cozinha diz, credo, papai hoje tá muito quente.

Voltei olhar para o quintal onde se encontrava a churrasqueira vazia e sem mais nada pra queimar:

- Pois é minha filha o mundo foi feito pra queimar.

- Será, papai?