DIA DOS NAMORADOS. A HISTÓRIA DE AMOR DE CHICO TRIPA E ROSINHA.

Anos 80. A pequena e pacata cidade mineira de Carneirinho, de quase dez mil habitantes, ganhava novos ares com a chegada do inverno. O colorido das festas juninas, as escolas enfeitadas com bandeirinhas coloridas. As comidas típicas, as vitrines das lojas ornadas com temas da roça. As festas e bailões nas fazendas, varando as madrugadas ao som da sanfona. A população esperava ansiosa a tradicional festa da fazenda Tijuco, de propriedade do coronel Tinoco Estrela. A festança começava ao meio dia do segundo sábado do mês de junho e terminava apenas no domingo a noite. As barracas de comidas típicas, organizadas pelas entidades beneficentes da região, eram um show a parte. Elas ocupavam o amplo gramado em frente a sede da fazenda. Tinha a barraca do pastel, do quentão e vinho quente, de pé de moleque e maçã do amor, da pamonha e curau, de cachorro quente, de pão de queijo, do frango assado, de caldos quentes, de churros e outras mais. Mais ao lado, ficavam as barracas de jogos e brincadeiras como a barraca da toca do coelho, das argolas, tiro ao alvo, a barraca do beijo, a do correio elegante e a famigerada cadeia, uma armação de bambu pra prender casais de namorados ou pretendentes. As quadrilhas das escolas se apresentavam no grande galpão da fazenda, todo enfeitado com bandeirinhas. O som alto da moda sertaneja animava a galera. Tinha até premiação para a quadrilha mais bonita da festa. -"Vou estrear minha botina na festa da fazenda, mãe." Disse o Chico Tripa pra sua mãe. A camisa xadrez, o chapéu preto e o cinto de fivela enorme completavam o visual do moço. Apelidado de Chico Tripa pela magreza, o rapaz beirava os quarenta anos. -"Se eu não arrumar namorada esse ano vou ser padre da Canção Nova. Me ajuda, santo Antônio casamenteiro." A mãe dele sorriu. -"Tu acha que o padre Jonas vai querer um cabra feio e sem rumo igual você?" O Chico sorriu. -"Esse ano estou com os dentes bonitos, que nem tecla de piano. O doutor Edson Assunção, que é daqui de Carneirinho, fez um ótimo trabalho. Valeu a pena ter ficado uma semana em Americana." Um grito vindo de fora. -"Eita. O Nestor chegou com a charrete. Tchau, mãe." Chico Tripa e o amigo Nestor chegaram a fazenda do coronel Tinoco. Uma hora depois, o Nestor já tinha recebido três correios elegantes e o Chico, como sempre, nenhum. Cansado de segurar vela do amigo, o Chico preferiu dar um rolê pelas várias barracas. O moço entrou na fila da barraca do beijo. -"Dez reais cada beijo. Hoje eu deixo de ser boca virgem. Já estou há décadas treinando com o travesseiro." A moça bonita da barraca, ao ver o Chico Tripa na fila, fingiu que estava com diarréia e pediu pra outra pessoa a substituir. As pessoas saíram da fila. -"Venha Chico. Beijo por dez reais." O Chico ficou tiririca. -" Uai. A senhora é amiga da minha mãe. Tem idade pra ser minha avó. Prefiro me jogar no Rio Grande ou beijar a vaca Mimosa." A senhora o chamou de grosso e mau educado. A noite caiu. Uma multidão ocupava a área da fazenda. O coronel Tinoco anunciou o show de Cesar e Paulinho, principal atração da festa. O Chico Tripa perto do palco, tirando foto da dupla sertaneja. Os sobrinhos do coronel ao lado do palco. -"Vejam, a tia Rosinha dançando. Que presepada." Disse Olegário aos outros. Olegário chamou o Dico, que era o xerife da cadeia. -"Dico. Prenda aquela mulher, a minha tia Rosinha. Deixa ela presa por meia hora." O xerife concordou. -"Com quem será presa? Algum pretendente ou namorado." Olegário ria sem parar. -"Prenda-a com aquele cara ali. Um sujeito esquisito e feioso." Dico obedeceu. Com dois ajudantes, algemou Rosinha. -"A senhorita está presa. É a lei da festa junina." A moça obedeceu. Trancafiada na cadeia, Rosinha lamentou ter ficado longe do palco. O xerife voltou com Chico Tripa. -"Não posso ficar aqui. Me soltem." Dico trancou Rosinha e Chico Tripa na cadeia. -"Vão ficar por meia hora aí. Pra saírem terão que pagar cinquenta reais ou darem um beijo." Rosinha ergueu a cabeça e olhou para o rapaz. -"Prefiro apodrecer aqui." Sussurrou. O rapaz ouviu e ficou triste. Chico ficou no outro canto da cadeia feita de bambus, olhando a multidão se divertindo. As pessoas passavam e zombavam deles. -"Beija, beija. Beija o Chico Tripa." Outros casais foram presos mas saíram logo, após se beijarem. O tempo passava. Rosinha olhava de relance para o rapaz. Não tinha nenhum centavo no bolso e só sairia dali se beijasse aquele estranho. -"Você tem dinheiro aí, moço?" Ela perguntou. -"Você paga, a gente sai. Eu te devolvo depois." Concluiu. O Chico ficou nervoso e gaguejou. -"Vo... você acha que vou da...dar cinquentinha pra sair daqui? Três dias de serviço na roça?! Você tá louca!" O canhão de luz do show iluminou a cadeia. Rosinha pode ver bem o rosto do Chico. -"Você é o Chico Tripa, filho da Valentina costureira." Gritou a moça. -"Ela mesma. Quem é você, mau educada?" Rosinha se aproximou dele. -"Sou a Rosinha. Estudamos juntos. Estou morando em Belo Horizonte e sou professora." Ela deu um tapa no ombro dele. -"Quanto tempo, Chico. Sua mãe tá viva?" Ele sorriu. -"Tá, uai. O pai já foi, levado pela cachaça mas a mãe tá forte ainda. Tá velha que só. Pudera, conheceu o casal seu Marcondes e dona Ana, os fundadores da cidade. Costureira aposentada, tá lá corcunda, cega com calo na bunda." Rosinha deu uma gargalhada. -"Sua mãe trabalhou muito aqui na fazenda. Eu e você estudamos juntos, até o ginásio." Chico abaixou a cabeça. -"Verdade. Você nunca falava comigo, vivia entre os ricos. Sentava na primeira carreira, ajudando a professora apagar o quadro. Usava sempre uma tiara amarela nas segundas feiras. Uma roxa na quarta e uma rosa na sexta. Dava sempre uma maçã pra professora de português, a dona Mazé. Você tirava só notas altas. Eu lembro. A última vez que te vi foi na Expocar. Ficava dando volta de Opala na avenida Dr. Ulisses Guimarães. Um bando de burguês em sua volta." Rosinha corou mas depois riu. -"Tá achando graça, vai pra Gracilandia, aqui pertinho." Nem suas amigas mais próximas sabiam desses detalhes. -"Ah, e namorava o Paulinho, filho do juiz. A molecada da escola babava por você. Era uma das mais bonitas da escola. Quer dizer, ainda tá bonitona." Rosinha desviou o olhar. -" Fui estudar na capital e nunca mais vi o Paulinho. Tive três casamentos mau sucedidos. O que mais você lembra da escola?" Chico nem precisou puxar pela memória. -"De você? Sentava com a Tina e a Ester, no recreio. Trazia o copo e talheres de casa. Não usava o bebedouro como os demais. Fazia o sinal da cruz quando terminava de comer." Rosinha estava admirada. -"Você ficava me observando." Disse ela. Rosinha percebeu que ele estava diferente, não tinha os dentes amarelados e tortos de antes. Estava musculoso e ereto. -"Foi por um tempo só. Sabia que você era inatingível pra mim. Era como erguer o braço pra pegar a lua." Rosinha deixou cair uma lágrima. O show de Cesar e Paulinho tinha terminado e ela nem percebeu. A música de Jota Quest começou a tocar. O seu amor pode estar do seu lado. Rosinha chamou o xerife. Olegário e os amigos vieram até a cadeia. Nestor se aproximou. -"Xerife. Vou beijar pra sair da cadeia!" O Chico ficou imóvel. Rosinha avançou sobre o rapaz e o beijou. O Chico sentiu os hormônios em ebulição dentro dele. Um calor subiu pelas pernas do moço da roça. Um beijo ardendo e demorado, iguais àqueles de novela. Chico e Rosinha entrelaçados. As pessoas aplaudiam. A música parou. Rosinha foi pra casa grande, pisando firme com suas botas de couro. O Chico desceu da estratosfera, pra onde tinha sido levado por aquele beijo divino. A boca suja de batom e as pernas bambas. O perfume dela na camisa dele. -"Cara. Você tava escondendo o leite. Parecia o Fábio Assunção beijando a Marina Rui Barbosa. Irado." O Chico até esqueceu de sair da cadeia de bambus. -"Sai daí, vamos tomar uma cerveja." Um menino entregou doze correios elegantes ao Chico. -"Olha. Aquele beijo mexeu com a mulherada. Tá fazendo sucesso, amigo." O Chico ficou triste pois nenhum era da Rosinha. -"Venho aqui há quinze anos e nunca recebi um desses. Agora vem esse monte de coisas!" Olegário encontrou os dois amigos juntos a charrete. -"Moço. Minha tia pediu pra lhe entregar." Olegário deu um tapa no ombro do Chico. -"Arrumou sarna, meu amigo. Minha tia é demais." O Chico abriu o bilhete. Era o número de telefone de Rosinha. No dia seguinte, ele contou tudo a sua mãe. -"Você é lesado, Chico. A Rosinha é a filha mais velha do coronel Tinoco. É moça direita, muito gente boa." O Chico ligou pra moça e marcaram um encontro na sorveteria da cidade. A grande caminhonete da moça chamava a atenção. -"Namoro? Quer mesmo namorar comigo, Rosinha?" Ele custava a crer na proposta da moça. -"Namorar pouco. Quero casar logo, Chiquinho. Fazer um casamento na fazenda, igual aqueles de filmes de Hollywood. Vou herdar a fazenda e vamos passar a lua de mel na Europa!" O Chico estava feliz. -"Vou ter que ir pedir sua mão ao coronel. Ele vai me enxotar com a espingarda." Rosinha sorriu e gritou ao tomar sorvete. -"Meu dente doeu, amor. . Caraca, que dor." O Chico se levantou. -"Uai. Olha quem tá alí? O doutor Edson Assunção. Oi, doutor. Essa moça linda tá precisando de um dentista bão." Eram tão diferentes mas era isso que os unia. Ele a fazia rir. Ela gostava de como ele a olhava, com veneração. Estão perto de comemorar bodas de ouro. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 12/06/2021
Reeditado em 12/06/2021
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