TABAQUEIRO

Naquele tempo em que as pessoas zelavam pelo bom nome e as roupas eram o sinal mais visível de sua condição social, os homens usavam ternos de linho branco, confeccionados por alfaiates tradicionais com cortes perfeitos para uma vestimenta impecável.

Juiz de Direito de qualquer comarca era considerado o repositório do saber e de respeitabilidade irrefutável. Doutor Borba era, portanto, o símbolo máximo da decência e da honestidade.

Semanalmente, no dia da feira ele se misturava aos pobretões para receber desses as honrarias a que se acostumara desde que viera para a comarca. Havia até quem beijasse a mão do magistrado em sinal de obediência e servilismo dócil.

Dr. Borba estava sempre impecavelmente vestido com seu terno branco até mesmo quando, por força da liturgia do cargo, tinha que sobrepor a beca negra dos magistrados.

Também por essa época o tabagismo era tido como símbolo de maturidade e largamente aceito na sociedade.

Os cigarros como os conhecemos hoje eram raros pois dependiam das importações.

Então havia, entre as pessoas, o costume de consumirem o fumo in natura em cigarros de palha, cachimbos, rapé ou mascando as folhas que depois de secadas eram comercializadas reunidas em cordas enroladas e facilmente encontradas em feiras livres para serem vendidas aos pedaços, dependendo do poder aquisitivo dos muitos fregueses dominados pela dependência do uso da nicotina, os quais eram os conhecidos pela alcunha geral de tabaqueiros.

Além das demais inconveniências provocadas pelo fumo, os viciados em mascar as folhas destacadas dos rolos tinham o costume de cuspir em qualquer lugar a baba grossa, escura e fétida resultante da mastigação.

O sapateiro Jeremias se notabilizara entre os conhecidos pelo fato de lançar à grande distância, pelo espaço entre os seus dentes incisivos superiores, a repugnante mistura.

E aconteceu numa dessas demonstrações da sua notável habilidade, que a cusparada atingiu as costas do Dr. Borba, desde a parte de baixo do paletó até o sapato.

Quem visse de longe teria a perfeita impressão de que o juiz fora surpreendido por uma diarreia homérica, dessas que não tem no mundo quem segure.