BEM-HADADE E O CERCO A SAMARIA

Não foram duas ou três tropas. Foram todas as tropas. Bem-Hadade, rei da Síria, agrupou todo o seu exército, subiu e sitiou a Samaria. O cerco acarretou numa grande fome, uma vez que os estoques de comida não podiam ser repostos. O abastecimento somente poderia ocorrer com a entrada e saída de pessoas, mas como se daria – isso se a cidade estava sitiada? A escassez de alimento chegou ao ponto de se vender uma cabeça de jumento por oitenta barras de prata, e duzentos gramas de esterco de pomba por cinco barras de prata. Mas o absurdo dos absurdos ainda estava por vir.

Certo dia o rei estava passando por cima da muralha da cidade, quando uma mulher indignada gritou:

— Ó rei, meu senhor, me ajude!

—Se o Senhor Deus não ajudar você, como é que eu posso ajudá-la? – Respondeu o monarca, deixando transparecer certa decepção em relação a Deus. – Você pensa que eu tenho trigo ou vinho?

O maioral tinha ciência de que naquele momento era incapaz de resolver qualquer problema, por menor que fosse, no entanto, a curiosidade levou-o, a perguntar:

– Mas diga qual é o seu problema?

Apontando o dedo para outra mulher que estava ao seu lado à mesma respondeu:

— Outro dia esta mulher me disse: Vamos comer o seu filho hoje e amanhã comeremos o meu. Então nós cozinhamos o meu filho e o comemos. No dia seguinte eu disse que era a vez de comermos o filho dela, mas ela o escondeu!

Diante do relato de um canibalismo confesso o rei perdeu as estribeiras. Rasgou as suas roupas em sinal de desgosto, e as pessoas que estavam perto da muralha viram que por baixo das suas roupas ele estava vestido com roupa de pano grosseiro.

— Que Deus me mate se, antes que o dia acabe eu não mandar cortar a cabeça de Eliseu, filho da Safate – gritou o rei, responsabilizando Deus pelo o que estava acontecendo com o seu povo, e decepar a cabeça do profeta parecia aos seus olhos uma maneira de ferir o Senhor.

E de imediato mandou um mensageiro buscar Eliseu.

Enquanto isso, Eliseu estava em casa com alguns chefes do povo que haviam ido visitá-lo. Antes que o mensageiro do rei chegasse, Eliseu disse aos chefes:

— Aquele assassino está mandando alguém para me matar. Por isso, quando ele chegar, fechem a porta e não deixem que entre. O próprio rei virá logo depois dele!

Antes mesmo de o profeta encerrar a conversa que estava tendo com alguns chefes do povo, chegou o rei.

— Foi o Senhor Deus quem fez cair toda esta desgraça sobre nós – afirmou o monarca, de modo raivoso. – Por que iria eu ficar mais tempo esperando que ele fizesse alguma coisa?

— Escute o que o Senhor diz – respondeu o profeta Eliseu, com inteireza de fé – amanhã há esta hora, você poderá comprar em Samaria três quilos e meio do melhor trigo ou sete quilos de cevada por uma barra de prata.

O ajudante do rei também se fazia presente, e tomado pelo ceticismo disse:

— Mesmo que o Senhor Deus abrisse janelas no céu e fizesse cair trigo e cevada, isso nunca poderia acontecer!

— Com os seus próprios olhos você vai ver isso acontecer, mas não vai comer – respondeu o profeta, de modo convicto, em momento algum demonstrando falta de confiança naquilo que estava proferindo.

Fora dos portões da cidade de Samaria encontravam-se, quatro leprosos. Assim como Naamã, comandante do exército da Síria, estes quatro homens também tinham um apreço exacerbado – pela prata, o ouro, e vestes finas, e isso atraiu sobre os mesmos o espírito da lepra. Desde então eles passaram a sofrer desta terrível doença de pele, e foram estes quatro que o Senhor resolveu usar como instrumentos para acabar com o martírio do povo de Samaria.

— Por que ficamos aqui sentados esperando a morte? – disseram uns aos outros.

– Não vale a pena entrar na cidade porque lá iríamos morrer de fome – disse um.

– Mas, se ficarmos aqui, também morreremos – disse outro.

– Vamos então para o acampamento dos sírios – sugeriu um terceiro. – Se eles nos deixarem viver, ficaremos vivos; se nos matarem, bem, nós vamos morrer de qualquer jeito mesmo!

E assim, quando começou a escurecer, eles foram até o acampamento dos sírios. Porém, quando chegaram, não havia ninguém lá, porque Deus havia feito com que os sírios ouvissem um barulho que parecia o de um grande exército, com cavalos e carros de guerra. Então eles pensaram que o rei de Israel havia pago os reis dos heteus e dos egípcios e os seus exércitos para os atacarem. Por isso, ao anoitecer, haviam fugido para salvar a sua vida, abandonando as barracas, os cavalos e jumentos e deixando o acampamento como estava.

Quando os quatro homens chegaram ao acampamento, entraram numa barraca, comeram e beberam do que havia ali e pegaram a prata, o ouro e as roupas que acharam. Depois saíram e esconderam tudo. Aí voltaram, entraram em outra barraca e fizeram a mesma coisa.

A recompensa do Senhor para os quatro leprosos seria a cura, mas os mesmos não conseguiram vencer os Golias que Deus colocou no meio da breve aventura dos mesmos. Se tivessem ignorado a prata, o ouro e as roupas finas teria havido cura para eles, no entanto, os mesmos sucumbiram diante da provação, e num ato simbólico – renovaram o contrato com o espírito da lepra. Mas mesmo perdendo a cura a aventura continuou.

— Nós não estamos agindo bem – disse um, deixando vir à tona o seu lado altruísta. – Temos boas notícias e não devíamos ficar calados!

– Se esperarmos até amanhã para contar, certamente seremos castigados – disse outro, já pensando num severo castigo por parte do rei se demorassem a contar o que havia acontecido.

– Vamos agora mesmo contar isso lá no palácio – disse um terceiro, já se preparando para bater – em retirada.

Então saíram do acampamento dos sírios, voltaram para Samaria e gritaram para os guardas que estavam nos portões:

— Nós fomos até o acampamento dos sírios e não vimos, nem ouvimos ninguém. Os cavalos e os jumentos estão lá amarrados, e as barracas estão do mesmo jeito que os sírios deixaram!

Os guardas anunciaram a notícia, e ela foi contada no palácio. O dia ainda não tinha clareado, mas mesmo assim o rei se levantou, e depois de um diálogo com seus oficiais disse:

— Vou dizer a vocês o que foi que os sírios planejaram. Eles sabem que nós não temos nenhuma comida e por isso saíram do acampamento e foram se esconder no campo. Eles pensam que nós vamos sair da cidade para procurar comida e aí nos pegarão vivos e conquistarão a cidade!

A temeridade do rei era compreensível, uma vez que, aos olhos naturais o cenário descrito pelos quatro leprosos não tinha somente cara, mas também cheiro de emboscada por parte dos sírios.

— Os que ficaram aqui na cidade vão morrer de qualquer jeito, como alguns já morreram – disse um dos oficiais, fazendo uso do bom senso. – Portanto, deixe que nós mandemos alguns homens com cinco dos cavalos que restaram, para assim podermos descobrir o que foi que aconteceu!

Depois de escolhidos alguns homens o rei os mandou em dois carros de guerra com ordem para descobrirem o que havia acontecido com o exército dos sírios.

Ao chegar ao rio Jordão os mesmos viram por toda a estrada as roupas e as armas que os sírios tinham abandonado enquanto fugiam. Então voltaram apressadamente e contaram ao rei tudo que tinham visto.

Quando a notícia da fuga dos sírios chegou aos ouvidos do povo de Samaria, o que houve em seguida foi como um estouro de tropa. O povo esfomeado saiu e avançou nas coisas que havia no acampamento dos sírios, e de acordo com o que o Senhor tinha dito por meio da boca do profeta Eliseu, três quilos e meio do melhor trigo ou sete quilos de cevada foram vendidos por uma barra de prata.

O monarca de Israel tinha colocado o seu ajudante pessoal como encarregado do portão da cidade, e na correria ele foi atropelado pela turba e viera a falecer, cumprindo, assim, a profecia de Eliseu ao seu respeito.

2 REIS (6/24-33)

Fragatta
Enviado por Fragatta em 29/09/2021
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