UM LUGAR PARA CADA COISA

(Por sugestão da Consóror Cléa Magnani)

Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar.

Nono Vicente repete esse mantra todas as vezes que alguém está à procura de algo fora do devido local. Ferramentas, utensílios, mantimentos, peças do vestuário, calçados, óculos, livros, principalmente o bloco e a caneta de anotações que deve ser parte integrante e inseparável daquele telefone preto, pesadão encarapitado na mesinha do hall de entrada da casa. É para o bom desenrolar do dia a dia, uma preocupação a menos na vida de todos. Devia ser, mas não é, especialmente, para nona Isaltina que, talvez para manter acesa a chama daquele desentendimento, sem razão ou consequências, entre os casais depois de muitos e muitos anos de convivência, quando os filhos e netos já cresceram e as refeições em família são cada vez mais raras, fica por dentro de casa a procurar algo que usara na véspera ou dias antes, mas que não tem a mínima ideia de onde largou.

Toda mulher, em qualquer idade, tem uma bolsa para levar as tralhas, principalmente, as desnecessárias que atravancam o acesso às necessárias que, via de regra, estão no fundo da bolsa por menor que ela seja.

O médico, Dr. Lair Ribeiro, num depoimento via youtube já sugeriu aos fabricantes de bolsas femininas de que seja colocado um zíper no fundo de todas elas a fim de facilitar a localização dos objetos “perdidos”.

Entre o mundo de coisas que tem dentro da bolsa de nona Isaltina, tem, também, a carteira com os documentos dela e do carro que é usado para todos os deslocamentos.

Apesar do serviço de água e esgoto que o estado nos fornece, somos obrigados a comprar água potável, dessas que são vendidas em garrafões e ontem foi o dia em que o rapaz do armazém veio fazer a entrega da semana. O cartão do banco, como não poderia deixar de ser, estava dentro da carteira, dentro da bolsa, dentro do guarda-roupas. O processo de busca e pagamento foi “realizado com sucesso”, mas a carteira ficou em cima do móvel da cozinha.

Hoje, logo cedo, para comparecer à sessão de fisioterapia, nona Isaltina pegou a bolsa e saiu apressada. Quando foi pagar o estacionamento, depois de muito procurar, lembrou que a carteira não voltou para dentro da bolsa que ficara no guarda-roupas.

Numa das avenidas mais movimentadas da capital, foi montada uma blitz para capturar uma senhora, narcotraficante de alta patente no submundo cujo carro que usa, segundo informantes, é irmão gêmeo do da nona Isaltina que foi parada para averiguação e, como estava “sem lenço e sem documento” como na musiquinha antiga*, foi recolhida ao 89º DP.

Depois de alguns telefonemas, está esperando que alguém leve os documentos, sem que o nono Vicente tome conhecimento do fato.

Afinal ela não quer dar esse gostinho àquele velho rabugento...

*Alegria, alegria – 1967