Causos do Velho Jorge - nº 7 - Olho por olho, dente por dente.

     Quase oito horas e o sol começando a esquentar. Mais de vinte homens, já suados, capinavam a roça de milho na fazenda de Geraldo Veiga. A roça, num viço que só vendo, recebia a primeira capina, a turma em compasso perfeito feria a terra, embalados pela prosa alegre e pelo cheiro bom do palheiro que espantava os mosquitos. Tinham vindo de lugares diversos. Uns de longe, outros da vizinhança; todos, porém, trazendo marmita e garrafa de café. Não garrafa térmica, que nesse tempo não havia esses luxos. Garrafa comum mesmo, e o café eles bebiam frio.

     Saídos de casa com o céu estrelado, quando o sol nascia, já estavam no batente. Às nove, faziam a primeira refeição: a metade da marmita que levavam. Descansavam meia hora e pegavam de novo no eito. Ao meio-dia, paravam mais meia hora e comiam o restante da comida. Lá pelas três da tarde, tomavam o café com alguma merenda: mandioca cozida, batata doce, bolo ou broa de fubá e, vez por outra, até pão caseiro. Muitos se contentavam com o ‘barranco’ do almoço.

     Mas como ia dizendo, perto das oito horas, chegou Alberto. Vinha apressado, enxada às costas, marmita do lado num embornal. Desajeitado, perguntou se podia pegar no serviço. “A mulher estava perrengue e fiquei esperando uma comadre para fazer companhia a ela e tomar conta das crianças”.

     - Tem galho não, pode pegar. - consentiu Geraldo, compreensivo, embora carregasse a fama de munheca de samambaia.

     Nesse tempo, costumeiro o pagamento feito a cada dia. Em dinheiro ou mantimentos. Quando todos se reuniram à porta do fazendeiro para o acerto, Alberto, que esperava paciente a vez, declarou a preferência de receber em mercadorias, pois em casa estava a zero. “Quero um quilo de farinha, uma rapadura e um pedaço de toucinho”.

     O patrão veio com a mercadoria pedida, colocando numa mesa a sua frente.

Alberto, sem dizer palavra, ficou observando a rapadura; virou-a e revirou-a intrigado. Finalmente criou coragem e falou.

     - Seu Geraldo, esta rapadura tá faltando um pedaço.

     O outro não hesitou em responder:

     - Quando cê pegou no eito hoje, o dia também tava faltando um pedaço!

     -!!!

 

 

 

Fernando Antônio Belino
Enviado por Fernando Antônio Belino em 03/01/2022
Reeditado em 12/12/2023
Código do texto: T7420833
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