REINO ENCANTADO.

O homem deu uma baforada no cachimbo e ajeitou o chapéu de palha. A poeira levantada, na estradinha de terra, indicava a chegada de visitantes. Uma revoada de andorinhas. Ele se levantou devagar e firmou a vista em direção da porteira de entrada da fazenda. -"Das Dores, tá vindo gente." Gritou pra moça. A neta saiu, ajeitando o avental xadrez. -"Uai.... quem será, vô?" O aroma delicioso de frango caipira com quiabo, nas panelas de barro sobre o fogão a lenha, tomou conta do ambiente. -"Deve ser o advogado, Das Dores. É o único que vem aqui, desde quando a fazenda foi a leilão." O céu azul de poucas nuvens. O velho carro de boi, a sombra de uma figueira florida, era sinal de um tempo que não voltava mais. O chiqueiro nos fundos da casinha de sapê. O pilão. Um monjolo desativado. A casa grande no alto do morro. As oito casas da colônia, construídas devido a imigração italiana do começo da república. A senzala, ao lado do pátio de secagem de café, lembrava tempos áureos mas também a época da escravatura O riacho quase seco. O carro se aproximou. Geraldo segurou a mão da neta. -" Falei que iam tirar a gente daqui. Não quero voltar pra cidade." A moça quase deixou cair uma lágrima. Seu avô nasceu e foi criado naquela fazenda. Conhecia tudo, trabalhando por cinco décadas alí. Os netos dos antigos donos dilapidaram o patrimônio aos poucos, se envolvendo em maus negócios e dívidas. Os empregados foram embora. A fazenda s atividades. O mato tomou conta de tudo. Geraldo se mudou para a capital, ainda durante a ditadura. A agitação urbana e o emprego desgastante numa fábrica estavam o deixando deprimido. A aposentadoria veio. A morte da esposa foi o estopim para ele voltar ao seu reino encantado. A casa grande, há décadas sem ser habitada. As casas da colônia estavam em ruínas, com rachaduras e risco de desabamento. Geraldo se ofereceu pra cuidar gratuitamente do local, o que lhe foi concedido. Estava há décadas alí. A senzala, onde seus antepassados escravos sofreram, estava em bom estado mas ainda havia ferros e instrumentos de tortura no local. Não era um bom local pra morar com a neta. Assim, restou-lhe a casinha de sapê, antes habitada por sua prima Maria Francisca, benzedeira das boas. O motorista saiu e abriu a porta traseira do veículo. -"Por favor, condessa." A mulher de pele branca feito neve, vestido azul Royal e cabelos dourados, desceu de nariz empinado. Os olhos azuis se mostraram após a retirada dos óculos escuros. As jóias brilhando. O motorista pegou uma mala. A mulher colocou um grande chapéu branco. -"Chegamos, enfim. Jarbas. Me busque daqui a três dias." O motorista se curvou. -"Certamente, condessa Vani." Geraldo olhou para a neta. -"Essa aí chega, não cumprimenta e já determina que ficará três dias? Não gostei." Bronqueou Das Dores, com cara de quem comeu e não gostou. O carro deu meia volta no gramado e saiu da fazenda. A mulher de virou, sorrindo estendeu a mão, ornada de anéis. -"Boa tarde. Sou a condessa Vanielza Strauss e Johannes Jonhansenn, da Suécia. Esse é meu nome de casada, após o enlace com Gustav, primo do rei da Suécia." Geraldo a cumprimentou. Das Dores apertou a mão da visitante com desconfiança. -"Seja bem vinda. Sou Geraldo e essa é minha neta, Das Dores. Vamos entrar." A mulher passou a mão pelas paredes de barro batido. -"Uau. Me lembro disso. Esse cheiro. Não pode ser." Geraldo estava tentando agradar a visita inesperada. -"A senhora se sente. É banco de madeira, o único que temos. Está convidada a almoçar com a gente." A mulher olhava tudo com admiração e reverência. Das Dores achou que aquilo era loucura. -"A senhora vai sufocar se ficar aspirando a fumaça do fogão." A mesa pequena. Os pratos de esmalte branco. O chão de cimento queimado. -"Eu agradeço pelo convite e aceito. Não esperava encontrar gente morando aqui." Das Dores abriu as panelas. -"Esperava achar o que? Bicho e mato? Somos pobres mas somos limpinhos, dona." A condessa de desculpou. -"Perdão, menina. Esse lugar, essa fazenda, essas coisas fazem parte de minha infância. Eu nasci e cresci aqui. Fui jovem pra Europa e me casei com um conde sueco. Há sessenta anos não voltava ao Brasil." A mulher segurou as lágrimas. Geraldo segurou na cadeira. -"Então. A senhora, quer dizer, a condessa é a Vani, filha do coronel Raulino?" Eles se olharam. Geraldo serviu água numa moringa de barro. Das Dores serviu o avô. -"A senhora deve ser rica, tem motorista e jóias. Veio lá da Europa pra que?" Geraldo olhou pra neta, reprovando seus modos. -" Sou rica mas há uma riqueza que ninguém pode comprar, essa paz e simplicidade da roça. Esse ar puro, o cheiro do alimento fresco e saboroso, a confiança e o contato com a natureza. Eu precisava rever a fazenda antes de partir de vez desse mundo." Geraldo concordou balançando a cabeça afirmativamente. -"Eu posso me servir, Das Dores?" A mulher se levantou e foi até o fogão. Geraldo e Das Dores a seguiam com o olhar. Arroz, feijão gordo com bacon e calabresa, batata doce, frango caipira cozido com quiabo, couve refogada e ovo frito. A mulher se reuniu com eles a mesa. Os gestos finos de início deram lugar a espontaneidade. Vani degustava, emocionada, aquela refeição simples mas saborosa. -"Isso é maravilhoso, igualzinho ao que minha avó fazia. As melhores comidas do mundo não se comparam, não tem igual. Muitíssimo obrigada." Geraldo ficou sério. -"Eu a vi partir. Eu tinha dezesseis anos quando ajudei a carregar suas malas, no caminhão do coronel, seu pai. Fui até o porto." A mulher olhava pra ele com admiração. -"Isso foi há quarenta, cinquenta anos?! Mudamos muito, o mundo mudou. Eu conheço o mundo todo, quase tudo. Onde fomos criados, a família, o berço ficam no coração." Das Dores olhou para o avô. -"Agora entendi tudo. Meu avô sempre falava de uma moça, um amor impossível que partiu pra Europa e nunca mais voltou. Até fez uma letra de música sertaneja com tanta sofrência que nem a Marília Mendonça faria igual. Né, vô?!" Geraldo engoliu em seco e tomou um pouco de suco de goiaba. -"É verdade. Não esperava que virasse condessa rica. Que um dia voltasse." Vani desfez a mala. Ela quis colocar trajes mais apropriados. Geraldo e a neta cochichavam. -"Essa velha dondoca vai ter que dormir na rede. Ficar fazendo companhia pra ela vai ser osso duro." Geraldo a tranquilizou. -"Deixa comigo. O pai dela era bom para minha família e isso eu aprecio. Nunca tivemos visitas. Além de que, ela está revivendo a infância." Das Dores viu a emoção na voz do avô. -"Eu sei, minha infância foi mara na fazenda. Aqui devia ser lindo na época dela, de vocês. Só de ouvir suas histórias eu me emociono." Ela abraçou o avô. A condessa saiu. -"Condessa Vani, está muito diferente com essa roupa." Disse a moça. A mulher vestia calça jeans e camiseta branca. -"Agora sim, estou pronta pra reviver o meu passado." Geraldo se entusiasmou. -"Posso ser seu guia, se quiser." A confesso sorriu. -"Não poderia haver melhor guia e companhia, Geraldo." Das Dores riu do sotaque da mulher. -"Vou ficar em casa. Divirtam -se." Geraldo mostrou a fazenda a condessa. Passaram pelas casas da colônia. Vani se lembrava de alguns moradores antigos. Curiosamente, ela tinha a chave da casa grande. Os poucos móveis cobertos com lençol, os aposentos, a escadaria. Os quadros de retratos, amarelados pelo tempo, nas paredes. Cristaleiras e altares de madeira. Um rádio de válvulas bem conservado. Um ferro a brasas. Era uma viagem no tempo. Eles andaram pela fazenda. Geraldo mostrava tudo a condessa, que estava encantada. A pequena mata ao lado do rio. Os pés de goiaba. Uma jabuticabeira. Pés de seriguela e mamão. -"Estou reflorestando a margem do riacho com árvores frutíferas." Disse Geraldo, já a vontade com a visitante. A mulher quis colocar os pés na água. -"Queria consertar o monjolo mas é muito caro, não tenho dinheiro. Os novos donos da fazenda talvez possam restaurar o moinho também." Vani sorriu. Eles voltaram, horas depois, para a casa. Da chaminé saía fumaça branca. O cheiro de café fresquinho. Um bolo de fubá sobre a mesa. Queijo com goiabada. Das Dores preparou um lanche da tarde. A condessa recordou sua infância, ao comer o bolo, deixando cair uma lágrima. A tarde caiu. Das Dores preparou o banho da condessa, esquentando água num caldeirão no fogão a lenha. Geraldo colocou a bacia grande de alumínio nós fundos da casinha. -"Não se preocupe, estamos sozinhos na fazenda." Das Dores entregou a canequinha a condessa. -"Assim eram os banhos antigamente, não tínhamos chuveiro nem água encanada. Na casa grande têm mas não entramos lá." Disse a moça. A noite veio e com ela um céu estrelado maravilhoso. -"Quase dá pra pegar as estrelas." A condessa estava maravilhada. Geraldo acendeu as lamparinas de querosene. O jantar foi ao som do rádio de válvulas. Geraldo acendeu uma fogueira lá fora e pegou uma viola. -"Não sou nenhum Tião Carreiro mas sei tocar Luar do Sertão. Só aprendi essa música." Das Dores trouxe batata doce pra assar nas brasas da fogueira. Geraldo contou histórias e lendas. Vani estava se lembrando das histórias que seus pais lhe contavam quando criança. -"Saci, Curupira, Lobisomem, quanta riqueza no folclore brasileiro." Das Dores ficou interessada pelas histórias que na condessa contou de sua vivência na Europa. Um vento gelado. Os bocejos da mulher indicando cansaço. A família dormia em redes. Vani se acomodou com esforço. -"Não vão trancar a porta?" Das Dores riu. -"Na roça não há chaves nas portas pois não há perigo." A condessa pediu para ir ao toalete. A moça não sabia o que era, nunca tinha ouvido aquele termo. Geraldo roncava. Das Dores entendeu quando a condessa disse que precisava de um banheiro. -"Ah, mictório?! É lá perto do chiqueiro." Elas saíram da casa e andaram por cem metros até uma casinha de madeira. O pio de corujas, barulho de sapos e grilos. Das Dores montava guarda enquanto a condessa se aliviava. Tempo depois, a condessa despertou. -"Das Dores? Tem um bicho aí fora. Estou com medo." A moça deixou a mulher preocupada. -"Não tema. Deve ser um lobisomem ou a mula sem cabeça." A moça desceu da rede e foi abrir a porta com uma coragem impressionante. -"Era a Mimosa, nossa vaca. Ela gosta de ficar pertinho de casa quando cai a madrugada." A moça foi ao fogão e voltou com uma xícara. -"Chá de camomila. A senhora vai dormir feito uma pedra." A condessa despertou as oito horas. Após o café, Geraldo e a condessa foram pescar. A tarde, andaram um bocado até a fazenda vizinha, onde a condessa fez novos amigos e andou a cavalo. Nos outros dias, a condessa já estava mais adaptada a tudo. O motorista foi pontual. O carro chegou no dia e horário combinado com a condessa. Ela abraçou Das Dores e se despediu. -"Muito obrigada, menina. Jamais a esquecerei" Ela abraçou Geraldo. -"Muito obrigada, amigo. Foi surreal." Geraldo e a neta choravam. Como todos que visitam a roça, a condessa levava um punhado de mimos e agrados. -"Ela bem que poderia morar com a gente, vô. Não reclamou de nadica de nada. Uma nobre." Geraldo se emocionou. O carro passou pela porteira e sou no horizonte, deixando aquele reino encantado pra trás. Das Dores acariciou o rosto do avô e deu um grito. Ela quase arrancou a campainha. -"Enfermeira?! Meu avô acordou." Ela se ajoelhou no quarto de hospital. -"Graças a Nossa Senhora Aparecida, meu avô acordou do coma. A enfermeira veio rápido. Geraldo tinha caído do telhado da casa grande, consertando uma calha. -"Onde está ela? A condessa?" A enfermeira disse que era normal ter delírios e não falar coisa com coisa após o despertar do estado de coma. Dois dias depois, Geraldo estava melhor, pronto pra ter alta. Ele contou seu sonho a neta. -"Uma condessa, aqui nesse fim de mundo?" Uma semana depois, Geraldo observava uma revoada de andorinhas. A poeira na estradinha. -"Das Dores. Tá vindo gente." A moça se arrepiou. -"Uai. Igual no seu sonho, vô?!" Três carros passaram pela porteira. Alguns seguranças engravatados desceram. -"Bom dia, senhor. Acaba de chegar a essa fazenda a condessa Vani, da Dinamarca." Geraldo olhou pra neta. A mulher não desceu do carro. Um dos rapazes retirou uma cadeira de rodas da traseira do carro. Os demais seguranças ajudaram a mulher. Sorrindo, a condessa olhou para Geraldo e Das Dores. -"Bom dia. Sou Vani." Geraldo a cumprimentou. Das Dores estava imóvel pois estava acontecendo como no sonho de seu avô. -"Sou Júlio, advogado. A condessa sofreu uma queda, numa visita a Londres. Está, de modo provisório, incapacitada de andar. " A condessa o interrompeu. -"Cai feio é a verdade. Fiquei três dias em coma. Eu nasci aqui, sou filha de Raulino Mendes Sá. Em coma, sonhei que estava aqui, na fazenda. Eu deveria passar meus últimos anos aqui, na paz e tranquilidade da roça." Geraldo estava boquiaberto. -"Foi tão real. Eu pesquei, andei a cavalo, trabalhei na roça, escutei histórias de saci. Até senti o sol quente na pele. Foi maravilhoso." Geraldo convidou a condessa para entrar. Das Dores serviu água fresquinha aos visitantes. Como no sonho, o fogão a lenha estava aceso e com um aroma delicioso vindo das panelas de barro. O advogado se pronunciou. -"A condessa é a nova proprietária da fazenda." A condessa apontou o indicador. -"Já quero anunciar que reformarei tudo por aqui, começando por derrubar essa casa velha. Contratarei empregados, comprarei máquinas e tratores, vamos fazer a fazenda produzir e prosperar." Geraldo olhou pra neta. -"Seremos despejados. Cuidei por décadas disso tudo." A condessa estendeu a mão para ele. -"Quando soube do leilão eu não hesitei em adquirir essa terra. Esse lugar é mais que meu, nosso berço. É um paraíso. Obrigada por cuidar de tudo aqui, Geraldo." A mulher embargou a voz. -"Sempre sonhei em voltar. Sempre gostei de simplicidade e tive muitas saudades, nessas décadas na Europa. Vocês não vão mais morar aqui pois os quero perto de mim. Vocês estão convidados a morar comigo na casa grande. Não poderia encontrar melhores amigos e companhia como a de vocês. Agora que estou viúva e sozinha, preciso de vocês. Me aceitam?" Geraldo e a neta se olharam e abraçaram Vani. -"Será uma honra, condessa." Respondeu Geraldo. -"Por favor, me chamem de Vani. Apenas Vani." Alguns meses depois, a fazenda já estava muito diferente. A casa grande reformada, com os belos jardins em volta . Uma alameda de flamboyants se estendia até a porteira. A terra tombada e adubada esperava as primeiras lavouras. Vani destruiu a senzala, apagando a lembrança de um passado triste. Numa tarde, na varanda da casa grande, ao lado de uma mesa com um bule de café e uma travessa de pão de queijo, Vani começou a falar de sua infância. Geraldo e Das Dores estavam atentos. -"A vida na roça é uma dureza, não. Mas aqui também há muita coisa boa, doçura, solidariedade, a gente se sente mais perto de Deus por estar em contato com a natureza. Aqui é família, fé, amizade, ingenuidade. O modo de educação que tive era diferente do modo de hoje. Meus pais eram rígidos, severos. Se a gente apanhava na escola, apanhava de novo em casa. Se a professora aplicasse castigo, palmatória, ajoelhar no milho, a gente era castigado de novo em casa. Tudo que os pais diziam eram lei. Se respondesse um A sequer, apanhava. Se passasse na sala, durante uma conversa com uma visita, apanhava. Apanhava de cinta, de folha de espada de são Jorge, uma planta de folhas duras. Apanhava de chinelo. Só dias depois, quando as marcas e vergões estavam sumindo, a gente era informado porquê apanhou. A mãe era nossa protetora e pedia ao pai que parasse a surra. Minha mãe falava sempre das três peneiras. Era um método e conselho pra vida toda. Respeite pra ser respeitado. Pense antes de qualquer decisão e conte até dez antes de cada resposta. Minha avó me ensinou a rezar. A ave Maria, o padre nosso, o Credo, o terço e as cantigas religiosas. Quando morria alguém, na roça ou na cidade mais perto, era um respeito danado. A gente guardava luto por dias. Ninguém fazia festa nem punha música alta, não tinha baile nem brincadeiras. Todo mundo ia no velório e varava a noite cantando ladainha e orando, solidários a família do morto. A gente brincava muito. Andava na linha do trem, no cafezal, no pátio da fazenda. Pulava corda, amarelinha, brincava de passa anel, queimada e pique esconde. Nossas bonecas eram de espigas de milho. A vó costurava as roupinhas das bonecas na velha máquina de costura Viggorelli. Aos sábados a gente nadava no rio. Meu pai ia caçar tatú e espalhar armadilhas pra pegar inhambu. Na visita a casa de meus primos, jogávamos bolinhas de fude na rua, era muito bom. A gente trabalhava, ainda que criança. Abria as porteiras e via lá de cima dela o gado passar. Ajudava na ordenha das vacas, de madrugada e tomava leite quentinho tirado na hora. Muitas vezes levei almoço pra roça, aqueles caldeirões quentes, de comida caseira fresca, pesado embornal nos ombros. Andava quilômetros e quilômetros pelos pastos, debaixo do sol. Ah, era tradição, também porquê os pais eram pobres, a roupa que não servia no irmão mais velho era repassada para os mais novos. Em alguns casos a avó corrigia a diferença da roupa na máquina de costura ou quando não dava, usava do modo que vinha. Colocava remendo aqui, alí. A gente comia macarrão com frango só aos domingos. Macarrão com coloral. Suco de groselha. Refrigerante era ítem raro e a primeira vez que tomei foi numa festa de casamento, noutra fazenda. Fomos de caminhão. As mesas debaixo de o nas, as balas com madeira queimando assando carne nos espetos de bambu. A cerveja e refrigerante em tambores com gelo e palha de arroz. Quando ficava doente, ia no benzedor ou o pai fazia remédio caseiro, com plantas e ervas da mata. Era assim que era." Geraldo estava emocionado e concordou com tudo pois teve uma infância parecida. -"Você saiu da roça mais a roça não saiu de você. Suas origens estão aí, no seu coração." Geraldo auxiliava na administração. Incentivada por Vani, Das Dores se matriculou num curso online e queria voltar a estudar. -"Quero concluir o ensino médio e cursar uma faculdade de agronomia no futuro." Vani, com a ajuda de fisioterapia, voltou a andar. A condessa passou a usar seus vestidos longos. Geraldo tirou a barba e até tingiu os cabelos grisalhos. Vani recebeu, por uma semana, um grupo de políticos europeus, amigos de uma ONG contra a fome no mundo. Tais visitantes ao redor de Vani despertou o ciúmes em Geraldo. A comitiva foi embora. Das Dores percebeu a mudança no humor do avô. As conversas entre Vani e Geraldo, após o jantar, duravam horas. Uma cachaça, um licor, boas risadas. Dois anos se passaram. A fazenda produzia cana de açúcar, café, feijão e trigo. Dezenas de famílias empregados moravam nas casas reformadas da colônia. Geraldo ganhou uma caminhonete de Vani, pra melhor se locomover pela propriedade. Devido ao calor, Das Dores resolveu fazer uma limonada gelada. Estava feliz, tentando agradar a condessa pois soube que ela pensava em abrir um restaurante na fazenda, colocando Das Dores como chefe de cozinha. Geraldo e Vani estavam quietos. Das Dores foi até a varanda. A jarra de limonada nas mãos. Ela parou de repente. Geraldo e Vani se beijavam. Das Dores, sorrindo, voltou pra copa. -"Pelo jeito vou ganhar uma avó! Essa parte não estava no sonho de meu avô nem no meu." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 22/03/2022
Reeditado em 26/03/2022
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