†...Diário de um Vampiro Moderno...†

Há 20 anos eu escrevia esse texto.

Mesmo com acontecimentos da época, não deixou de ser atemporal; acredito eu. :)´=

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Acordei. Um pouco estonteante! Olhei junto de meu caixão para o meu antigo relógio Dumorto. Passava da meia-noite. Espreguicei-me em meu frio covil. Estava vestido com uma camiseta preta básica de malha, daquela marca do jacarezinho dentuço - La Morte; e com meu tênis vermelho - Mall Star - o do pentagrama estampado.. Abri meu túmulo vagarosamente. Suas portas rústicas de ruídos melodramáticos, apavoravam até a mim, sorumbático Diário.

Meus olhos, agora esbugalhados, observavam atentos, o filete prateado o qual a lua proporcionava ao lutuoso ambiente. Finalmente levantei-me e fui ao banheiro começar minha liturgia noturna. Peguei minha escova dental Caninum Afiadus, doada pelo meu tataaravô, o qual usufruiu-a nas remotas eras de Akenathon, o grande percussor egípcio das escolas antigas de mistério. Calma, não sou o que está pensando espavorido Diário, não sou uma múmia vampírica que acordou das trevas para roubar almas de belas e tristonhas donzelas. Bem, pararemos imediatamente com esse monólogo ridículo de “síndrome de Gabriela” – “Eu nasci assim, eu cresci assim”; pois hoje não é meu dia de desabafo, mortífero Diário.

Voltando à escovação... Passei a pasta de dente Colvlad e esfreguei-a em meus envelhecidos, mas sadios caninos. Ops.. parece que tem um pedacinho de carne bem aqui. Ah, nada como usar um bom fio dental Vampsohns & Vampsohns. Hum, e com sabor de sangue humano!

Olhei-me no espe... ops....é melhor pularmos essa triste parte, pois não sei e nunca soube como é minha identidade facial. Peguei meu pente, arrumei meus longos e grisalhos cabelos e rumei em direção à minha sala de estar. Liguei a televisão, enchi minha taça de sangue e.... Nossa, lutuoso Diário! Como esses humanos estão escravizados pela insanidade e mediocridade mundana! Troquei de canal e vi uma tal governadora sendo devorada pelas lentes televisivas e caindo dos mais altos degraus de uma política falida; em outro canal um “bacaninha” apresentador de TV esbanjava dinheiro como se fosse o papel higiênico que ele usava em sua casa para limpar a...bem; é melhor deixar pra lá. Num certo canal usaram a minha figura tão temida por séculos, como um simples pernilongo de listras brancas, que saía sugando sangue das vítimas, num programa de humor, que horror! Bem, “Faz Parte”, como diria um mortal choroso, em uma certa casa totalmente remendada por essa civilização capitalista. Quão estranha é essa gente!! Preferem chorar por um simples boneco, para arrecadar uns “trocos”; uau, quanto troco hein perverso Diário; acho que estou sendo contaminado por esse capitalismo selvagem. Será que fui mordido por algum mortal? Ai ai ai, deixa-me tocar esse pescoço virgem. Ufa, sinistro Diário, que susto! Ops, sinistro foi mal hein, que gíria mais “irada” esta, não?

Bem, voltemos a esse sistema televisivo nacional. Nossa! Que saudades dos tempos em que mordia pescocinhos tão belos, veludíneos e virgens. Que saudades de quando me tratavam como um frio aristocrata que assombrava os sonhos da mais belas donzelas. Essa época sim, eu era feliz! Um respeitado ser nos mais altos pedestais mundanos e até da mídia em uma certa época, não tão longínqua. Ai, que eterna nostalgia – nesse momento escorreguei-me em minha poltrona obscura, refletindo em minhas eras vulcânicas e entorpecidas.

Finalmente, acordei desses insights. Troquei de canal, horrendo Diário, e observei alguém dizendo assim: - “Ae brother, tu ta sarado hein”, nesse momento quase caí da poltrona com meus afiados caninos na escrivaninha que “papito” me deu, próximo ao Natal daquele século; aquele da Caça às Bruxas, lembra? Para você ver, esses tais “sarados”, preferem as bruxas megeras de alma, com um corpo “vitaminado”, do que uma simples pagãzinha de uma alma exuberantemente sensível e delicada. É meu amigo, lutuoso e gélido Diário, como os tempos mudaram.

Bem chega desta efêmera prosa, pois isso não nos levará a lugar algum, somente ao fundo do poço tele-comunicativo dessa tal de mídia. Estou com um certo receio dessa mídia, sabia? E das pessoas também! Imagine só, se eles vissem um vampiro de verdade perambulando por essas ruas escuras, iriam levar-me daqui para a tal NASA. Será que partiriam esse meu belo corpinho envelhecido esguio em pequeninas partes, a fim de desvendarem se sou um ser extraterreno? Esse tal de Spielberg que me perdoe, E.T.´s são todos esses seres humanos reles e infortúnios, e não um simples imortal ou um ser de outro planeta.

Acho que vou dar umas voltinhas em minha Harley Vampson, essa motinho veloz a qual lhe disse que comprei em uma revendedora autorizada, lembra-se? É, viver imortalmente hoje em dia não está nada fácil, não é mesmo, carismático e fantasmagórico Diário?

Ué! Onde está a chave de minha moto? E minha carteira? ---- Cadê minha moto? – olhei do vigésimo quinto andar de meu apartamento e não mais avistei meu belo veículo.

Foi-se melancólico Diário, algum desses “bandidinhos” de quinta categoria a levaram. A minha bebê, a minha “motinho”. Acho que vou chorar Diariozinho!!! :´(´=

Espere um pouco, para que vou chorar se nunca chorei? Sou um morto-vivo e mortos-vivos pelo que eu saiba não possuem mais glândulas lacrimais ou possuem? Será? Deixe-me tentar. É não dá não, nem tentando me passar por aquele tal de “Vampiro Louro” do cinema, consigo chorar. Foi-se o tempo em que Anne Rice adorava escrever histórias de vampiros. Nem ela mais me aceita.

É, falecido Diário, parece que essa tal mídia faz milagres, não?

Acredita que ontem mesmo, estava eu comprando meu filé mignon ensanguentado de cada dia; e claro com meus suntuosos óculos de sol, vestido em meu sobretudo negro; quando presenciei uma cena mais espavorida do que eu!! Pois é, pois é, pois é. Vi um rapaz até que bem vestido, com os cabelos desgrenhados, óculos escuros e pele pálida, perambulando pelas ruas com uma placa presa ao seu corpo, escrita a seguinte frase: “- Quando morrer para onde irá: para o céu ou para o inferno?” Pensei muito nessa frase. O que esse rapaz estava querendo me dizer, se o inferno é aqui nessa imensa e violenta metrópole? Ué, será que o inferno mudou de lugar e ninguém me avisou, tenebroso Diário!! Vou reivindicar os meus direitos. Eu que vivo há milênios nessa urbe sangrenta, nunca reclamei, aliás, tive que aceitar meu destino, não é mesmo?

Sabia que esse monólogo todo me deu uma baita fome!! Bem, já passam das quatro e meia da manhã, daqui a pouco amanhece e os primeiros raios de sol surgirão. Vou até a cozinha verificar se sobrou um pouco daquela carne “sarada’ moída e encaixotada - Vamperdigão.

Estou achando que esse mundo insano e capitalista mexeu com os meus últimos exânimes neurônios, sabia, isolado Diário? Sei lá, ultimamente estou sussurrando umas gírias estranhas, roupas americanizadas e o pior de tudo, deixei de me alimentar de carne fresca para experimentar enlatados, carne de animais irracionais e o pior, conversar com um Diário maluco que nem me dá bola!!! Será que peguei a síndrome dos Reality Shows?? Nada mais direi, além de Maktub, Maktub. É, acho que esse mundo entorpecido me transformou em um vampiro “moderninho” cheio de complexos assombrosos. Boa noite, ou melhor, tenha um bom dia ensurdecido Diário.

Abri meu caixão da Funerária deus me Livre e preparei-me para mais um dia de sono eterno e profundo! E a vocês mortais, tenho somente algo a dizer: vocês não passam de uma prole de vampiros sugadores da essência humana. Tenham uma boa vida e uma ótima morte. Fico por aqui.

Cidade Grande, 11 de abril de 2002.

Tiago Tzepesch
Enviado por Tiago Tzepesch em 14/07/2022
Reeditado em 14/07/2022
Código do texto: T7559444
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