Sobre Francisco (Pichico) e Zé Alberto

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Numa cidade mineira, Francisco (Pixico), ganhou esse apelido pelo que fazia: pescar sem nunca pegar um peixe graúdo (segundo ele). Ao voltar das pescarias as pessoas lhe perguntavam: pegou um peixão? e Francisco respondia: "peguei um pichico".

Os filhos vieram, os gastos aumentaram e para melhorar a renda inventou tocar umas lavouras; como meeiro. Hora com um fazendeiro, hora com outro cultivava suas roças de tocos.

... Para ajudar nas despesas da casa, com linhas de náilon tecia suas próprias redes e tarrafas de pesca.

... Para uso pessoal e, por atendimento às demandas por esses equipamentos. A princípio dava conta de conciliar uma coisa com a outra: atividades pesqueiras, lavouras e a tecelagem.

Pixico pegava peixes de todos os jeitos; não podiam escapulir dele. Ia às pescarias, de canoa com uma fisga para fisgá-los; a pé com facão e facho (com carbureto) para clarear as beiras de rios, a pexaiada a dormir à beira d'água e golpiá-las. Tanto comia o pescado, como dava aos vizinhos. O excedente era vendido.

Sua última roça de ameia, fora nos terrenos do sobrinho, Antenor. Zé de Arvina quando auxiliou Pichico nessa roça, quebraram só uns 2 caminhões de milho, as outras colheitas: feijão, arroz, abóbora, melancia; só deu para as despesas de casa, por pouco tempo. Esperava mais abundância e, comentou sobre seu desejo de deixar as lides de lavrador...

"Gente, eu vou largar de plantar; não planto roça mais nunca, de agora em diante vou só pescar. Dou mais valor num anzol à uma roça desse tamanho.

... Eu chego no Rio São Francisco isco um coração de boi, jogo aquilo nas águas, com uma boia por cima e, chego lá têm um surubim de 20, vinte e tantos quilos. Vendo, dá um dinheirão danado...

Na roça eu tenho que preparar a terra, plantar, e capinar 2 vezes... dá um trabalhão e não dar dinheiro suficiente; ando numa lona... nas pescarias eu tenho grana todo dia: vou à rede têm peixes, bato tarrafas e pego outros, saio na canoa e fisgo mais".

A idade um tanto avançada ajudou no seu propósito. Achou ser bobagem viver a correr atrás de muitas coisas...

Mantimentos colhidos, chegou a hora de ganhar a estrada, seguir em novo rumo; não mais puxar enxadas, cobras para os pés e deu adeus às roças, a vida de lavrador.

Após um tempo numa outra instância garrou de brigas com a esposa... vizinhos discaram no 190, a Polícia Militar compareceu ao local indicado; João Sargento, o soldado Zé Alberto e outro soldado compunham a equipe.

Pichico nem esperou bem os cumprimentos inicias da polícia, atalhou logo a prosa.

— Quanta alegria e honra é receber vocês em minha humilde residência!

— Mulher, prepara aí um suco, uns biscoitos, um mastigo qualquer presses homes.

... Coitados, sofreram pra chegar até aqui e talvez estejam com a barriga nas costas (com precisão de se alimentarem). Fiquem a vontade senhores, vamos prosear, contar uns causos... têm aperitivo aí, se quiserem eu vou buscar.

— A conversa aqui é pouca seu Pichico, não temos muito tempo a perder. Empenhados em operação não podemos mudar o foco. Nosso propósito maior é leva-lo preso por agressões, maus tratos...

— Mas, que bisurdo é esse seu João Sargento!

— Sim, é isso mesmo. Recebemos o chamado e vimos com urgência; pelo fato do senhor estar espancando a sua mulher.

... Isso é inadmissível, repugnante mesmo; uma atitude dessa natureza é passiva de pesadas punições; nossas Leis são claras...

— Espancando minha mulher? Essa injúria precisava ser investigada a fundo... quem inventou uma coisa dessa é que precisava receber ordens de prisão seu João sargento; ser submetido (a) aos rigores Lei, não eu.

... Nunca encostei um dedo sequer para espancar minha esposa, a mãe dos meus filhos rainha do lar; jamais eu faria uma atrocidade dessa, Sargento. Prefiro morrer a agredir minha terna companheira.

... Umas rusgas, posso dizer ao senhor que acontece de vez em quando: uns chingamentos, uns nomes feios, uns pitis (meu e dela); coisas que logo passam.

... A esposa chegou com peixes fritos nuns pratos, com rodelas de limlimão e os colou sobre a mesa e Pichico perguntou: não é mesmo veia? e ela (para não o constrange-lo) reverberou:

— Isso mesmo veio, é verdade; nunca brigamos e nem brigaremos, isso é muito feio.

Com essa encerrou-se ali a questão: degustaram os peixes e, o Boletim de Ocorrência (BO), nem foi preciso ser feito.

Pela cidade, nos bares da vida Pichico volta e meia estranhava um colegas de gole...

Assim, não demorou tanto: a Polícia fora acionada novamente para interferir numa briga de bar, e a equipe de João Sargento (que comandava a operação e, atuava como delegado) compareceu com presteza.

Qual foi a surpresa? Pichico era um dos atores principais do fuzuê e, dessa vez: cadeia nele (só por uma pernoite para não dizer que nunca fora preso).

O estranhamento de Pichico dessa vez fora com o dono do bar em que, costumeiramente frequentava. Este em maior peso de razão foi liberado.

Mesmo Pichico sendo conhecido da corporação e não oferecer resistência às ordens de prisão, precisou três militares para ser conduzido à delegacia local. Mais por precaução mesmo (o preso estava sobe a proteção do Estado).

Pelo caminho o soldado Zé Aberto deu-lhe uns arrancos para que acelerace a marcha e Pichico não gostou. Amoou. Por um instante não quis avançar e deu-lhe um sabão daqueles, sobre uma antiga dívida do soldado a ele.

"Por que me empurra? e os peixes que você comprou fiado na minha mão, pra pagar no outro dia e, até hoje não pagou?"

Trancafiaram Pichico em sela forte...

Naquele mesmo dia na delegacia o soldado Zé Alberto se viu em aperto, com seu comandante João Sargento (que respondia pelo delegado em licença) ao ter que explicar o motivo da chamada de atenção de Pichico a ele, na sua condução a cadeia pública.

— Senta aí Zé Alberto e vamos conversar: no caminho o preso Pichico, lhe chamou a atenção sobre uma dívida antiga sua para com ele... você deve mesmo a esse homem?

... Explica isso aí, para que eu possa entender melhor o que está acontecendo; não estou entendo muito bem essa história!

— Bem, quer dizer, sim... foi dois quilos e meio de peixes que comprei dele, para pagar depois... e se foram três meses que devo essa conta.

— Não é possível Zé Alberto... o Governo está lhe pagando em dia, assim como a mim; todo mês cai lá na conta nosso soldo completo. Se você deve mesmo a esse homem, cuide logo de paga-lo, não faz uma coisa dessa!

No outro dia, Pichico fora solto (pela pouca gravidade do seu ilícito), ganhou a liberdade.

Com uns meses João Sargento foi tranferido de jurisdição e, quanto ao soldado Zé Alberto, nem é sabido se ele quitou essa dívida. Há dúvidas quanto a isso até hoje.

O homem não era fácil...

Soube-se por boca de uma criança inocente de Zé Alberto andar comendo umas galinhas da vizinhança.

... Quando Zé de Arvina fora executar a perfuração de uma cisterna a uma vizinha dele e, retirava umas tralhas de pesca de um local para outro, no quintal dessa pessoa: varas, linhas, molinetes, anzóis...

Uma garotinha duns 4/5 anos (filha de Zé Alberto) perguntou ao seu Zé:

— o quê é isso?

— Isso é de pegar peixes minha filha.

— Lá em casa o papai usa é pra pegar galinhas.

... A dona do serviço que estava por perto ligou uma coisa com a outra e entrou na conversa:

— É por isso que as galinhas aqui de casa estão sumindo!

*Nemilson Vieira de Morais, Gestor Ambiental/Acadêmico Literário. (01:9:22)

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 02/09/2022
Reeditado em 13/09/2022
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