FAZENDA SUPREMA TORTA

FAZENDA SUPREMA TORTA

Ao passear nas proximidades de Goiás, anos atrás, deparei-me com um letreiro cuja inscrição tinha os seguintes dizeres: SUPREMA TORTA Fazenda. Como todo turista, deparando-se com nomes e lugares diferentes, fiquei logo curioso em entender o nome daquele. Na minha bela Aracaju, temos uma ponte do Imperador que não leva a lugar nenhum e é citada como ponto turístico, assim como o memorial Zé Peixe, em homenagem ao folclórico prático sergipano. Estes exemplos demonstram que os turistas percebem as mensagens que passam desapercebidos pelos próprios moradores.

Imaginei logo que se tratava de um lugar que vendia Tortas de alto nível. Um lugar com vegetação e todas as características de uma fazenda tradicional, com uma casa distante da entrada. Pensei que seria a oportunidade de conhecer algo popular e bem regional. Estacionei e bati palmas para chamar a atenção dos moradores. Antes de alguém vir me atender, apareceram um poodle engraçado, pois ele tinha de estranha barbicha escura, não muito comum nesta raça. Latia demais, só parando quando ouviu a voz do dono, e tão logo foi repreendido, fugiu que nem vi mais naquele momento. Fui recepcionado também por um pavão, uma galinha, um avestruz e um galo, que depois fui corrigido, uma vez que se tratava de um chester. Ignorância típica de metropolitano.

Um senhor caricato e uma senhora de cor avermelhada vieram ao meu encontro. Ele, um português autêntico, sorridente e simpático. Disse ele, chamar-se Cabral. Ela, uma índia, também idosa, mas com a beleza natural daquele povo. Falou o nome dela, mas não recordo neste momento. Apresentei-me como turista e esclareci que o motivo da minha parada naquele lugar, era o fato de que estava interessado em tortas e particularmente esperava comprar algo típico da região. Eles sorriram e até demonstraram certa tranquilidade quando disse o meu real objetivo da minha presença ali.

Ele falou que chegou a pensar que se tratava de um policial ou oficial de justiça, pois eles estavam tendo problemas com os vizinhos por conta dos animais. De pronto, negaram que ali vendia tortas. E trataram de corrigir o letreiro, pois foi falha de um empregado deles, que tem problemas com alcoolismo e é um pouco analfabeto, e por esta razão escreveu o nome errado na placa. Disseram que era para estar escrito: FAZENDA SUPREMO CORTE, pois sua esposa é costureira e que, em homenagem a ela, decidiram colocar o nome que chamasse a atenção do seu trabalho. Pediram desculpas e disseram que iriam corrigir.

Chamaram para tomar um café e, mesmo tendo negado de primeira, mas, diante daqueles olhares de pessoas boas, acabei aceitando o convite. Disse apenas que não poderia demorar pois ainda tinha que seguir estrada. Engraçado que ao entrar naquela casa, que parecia, por fora, ser simples e iguais a muitas naquela localidade, porém, no interior dela, era um luxo só. Desde os aparelhos de televisão, piso, mesas, pratos em ouro, etc. Fiquei impressionado com a riqueza do lugar. Mas não comentei nada, por educação. Estava diante de pessoas ricas, com certeza.

Entre uma conversa e outra, eles explicaram que pensaram que fosse policial ou até um longa manus judicial, pois seus animais, vez ou outra dão trabalho para os vizinhos, mas, segundo eles, sem intenção. São apenas animais irracionais e deveriam ser respeitados por todos. Disse ele, que hoje em dia não respeitam por mais ninguém, nem simples “bichinhos”. Perguntei qual os animais da fazenda e o que eles faziam.

O senhor Cabral, sentado na sua cadeira de balanço, totalmente eletrônica, e segurando sua xícara que parecia de um palácio medieval de tão bonita, informou que eles são meio independentes e possuem peculiaridades que as pessoas, ou melhor, os vizinhos não compreendem. Disse ele que evita brigar ou chamar a atenção dos animais, e por conta disso, chegam até a dizer que são eles é que mandam na fazenda. Estava só ouvidos, pois senti a vontade daqueles dois senhores em desabafar sobre aquela situação. Mas, em momento nenhum, tiravam o sorriso do rosto ou deixavam de fazer piadas de brasileiros. Sim, ele usava os brasileiros como burros em suas piadas. Até brincou comigo dizendo que os amigos dele fazem piadas com portugueses. Sei que é verdade e por isso nem rebati, apenas sorri.

Iniciou a defesa e caracterizando os animais da seguinte forma. Falou do pavão, que ele fica ou ficava andando por toda a vizinhança e tinha uma mania de bicar os pés das pessoas. A galinha, segundo ele, não gosta só de milho, ela tem a necessidade de bicar as rosas dos jardins alheios. O sapo gordo tem hábito de entrar nas casas para urinar nos livros e ainda é ousado. Disse que já jogaram sal nas costas dele, mas não adiantou muito. Pelo contrário, ele gosta de sal, e que quanto mais sal melhor. O jumento, invade as casas para beber whisky e só gosta dos importados. Dá um trabalho danado. A morcego fêmea, como ele mesmo disse, fica chupando as frutas dos pomares da região. Até chamaram ela de chica, em homenagem ao Chico Anysio. O poodle, que foi presente de um amigo do pai dele, disse que é o mais fraquinho dos animais da fazenda, mas sempre está latindo na hora que todos querem dormir. O avestruz fica entrando nas casas e engolindo tudo, até colocaram um apelido que não entendi até hoje. Disse ele que o avestruz é chamado de boca de veludo. A calopsita tem a mania de todo final de tarde cantar músicas de Carmem Miranda. O senhor Cabral disse que colocava para ouvir as músicas daquela cantora quando trabalha na roça. O gambá, que é chamado de Marquês, por sua tranquilidade e o chester, aquele galo que apareceu na porteira, inclusive é o mais novo dos animais da fazenda, são os únicos que não causam problemas. Seguem aquele ditado que diz: nem fedem, nem cheiram. Por último, disseram que tem ainda um outro animal, mas este por ser peçonhento e ter nascido com uma anomalia, ou seja, uma parte do ovo não se desprendeu da cabeça, até hoje era criado preso, mas, vez por outra, sai e come alguns animais silvestres.

Todos reclamam dos animais, mas, segundo senhor Cabral, terá que mantê-los de forma vitalícia, afinal, a lei também foi feita para os animais.

Assim que tomei o café, despedi-me daqueles senhores e fui embora com a certeza de que o Brasil é gigantesco e com o pensamento de que devem ter muitas destas fazendas por aí, com muitas histórias ou estórias para contar.

Aracaju/SE, 09/09/2022

ABCOUTO
Enviado por ABCOUTO em 10/09/2022
Código do texto: T7602263
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