Travessuras nas Travessias
Por entre rios e sertões estão as serelepes andanças e paragens, onde ao embrenhar-se nas matas, o cheiro do fruto da estação, deixa o sertão cheio de charme. A passarada em harmonia faz da revoada um deleite nas entranhas do vento, que, contempla o alçar e o pousar por uma árvore e outra.
No rio, a serenidade das águas, a corredeira cintilante é o ponto de chegada de um peixe e outro peixe...de uma Garça e, ou Socó, ou um Biguá, em busca da amada, viajar nas profundezas é um mistério que somente ele pode desvendar.
A Iara canta sentada numa pedra lá no outro lado do rio e para o sábio Bem-te-vi é uma ópera pelos campos a invadir e a sonoridade do Rouxinol é um prelúdio que embriaga o universo e assim, os córregos afluentes chegam feito o efeito sereno, com sutileza a derramar a profusão líquida no majestoso Velho Chico. Ora chega o Paraopeba, ora o Abaeté, ora o Rio das Velhas e assim o caudaloso e formoso Opará e seus alunos, seguem destinos, que é Piaçabuçu, a foz e o leito, berço para o descanso nas águas salgadas do enigmático mar.
Riobaldo e Diadorim a “ moça virgem” pescavam ás margens e a prosa desenhando o dia, e com singeleza chega o Raimundo do Bento:
- Tarde! Ôceis carece de uma canoa! Achega inté lá em casa, que eu apronto uma pa mode ocês diciciá e pescar mais nas profundeza.
O Siruiz, presente do Seu Habão e que os jagunços queriam batizá-lo de “Barbazu”, mas, - Diadorim negara o pacto - na campina colhia à sua maneira, um pouco do capim que existia, pois, o calor e a fome naquela região judiavam daquele que sertão e o nobre cavalo era fiel e por entre uma viagem e outra, era companheiro de saga pelas veredas e cerrados.
O Raimundo do Bento secou a canoa, já cansada pelo tempo e que já havia feita a história nas águas sagradas do Velho, Chico Velho.
Timidamente os dois se entreolharam e o Riobaldo agradece a gentileza:
- Agradicido seu Moço! Qual sua graça?
E ele:
- Remundo do Bento! Véio pescadôre desta redondeza. Vida de lida e históra. Pode ir...essa maravia é nossa!
Aquilo para os dois era uma viagem no colo da magia, um sonho às margens da vida, água saciando a alma no colo da terra.
Diadorim com um sorriso de anjo e os olhos brilhantes, deixava a brisa trazida pelo vento, lapidar sua alegria e o chiar do remo deixava Riobaldo perplexo, pois, era muito diferente do barulho do trote do Siruiz. Não muito distante dali, e rodeados de um silêncio misterioso, duas mãos se agarram na canoa e:
- Seu moço! Eu cunheço sua históra na terra e tô filiz cum sua visita. Mais vocemecê cum esta dama formosa, num tem uma cachacinha e um taquinzin de fumo preu mascá?
Ao ouvirem aquilo, os corpos trêmulos e inertes só pediam para se atirarem nas águas do Opará. Riobaldo segura as mãos geladas de Diadorim, e ela assustada disse:
- Seu moço! O nosso embornale carrega é o causo e no arforge o pincele do tempo que embriaga das travissia do João e a comitiva proseia com gosto e na crina do Siruiz o vento batiza as nossa sina.
O Riobaldo ao ouvir aquilo, vai logo ao assunto e:
- O sinhôre deve sê o Caboclo D’água falado e afamado nas históra deste belo rio! Òia Caboclo, vamo misturá as istóra e nóis dois vamo ficá imbriagado desta maravia que é as nossas gerais. Nóis lhe presenteia com o livro Grande sertão Veredas e o sinhôre traiz pra nóis uns pêxe pra mode diliciá. Concorda com a minha prosa?
O Caboclo D’água olhou pro rio, depois pra canoa e tichibum...dentro d’água. Não demorou e aquelas mãos traziam peixes, peixes e mais peixes...era muito peixe!
E Riobaldo:
- Agradicido! Nunca vou isquecê de vocemecê e nem da minha parage por estas barranca! A vida é uma travessia!
Diadorim tirou do embornal o livro e lhe entregou. O caboclo o colocou num saco e mergulhou até as profundezas.
Riobaldo e Diadorim foram embora numa alegria incontida e ao chegarem às margens do rio, o Raimundo:
- Uai! Que fartura moço! Quale o segredo? Me conta!
Diadorim em sorriso:
- Segredo seu moço! Travessuras nas travessia! Gratidão pela canoa! Foi de bom grado!
Submerso de alegria o Caboclo lê e relê o Grande Sertão Veredas aos peixes, Biguás, Socós, Garças, e a Iara com sua voz magistral, faz o fundo musical ao intrépido Caboclo D’água.
Riobaldo e Diadorim saíram montados no Siruiz e nos alforjes, os peixes e nas almas daqueles que embrenham no sertão com travessura na travessia o desejo fazer outras travessuras em outras paragens.
Ali selava mais um encontro entre o Caboclo, o sertão, o rio, gente do João, barranqueiro, natureza, lendas e prosas...
E você tem uma cachacinha aí? Ou um livro?