A árvore que chora

Numa cidadezinha pacata, como muitas do interior do país, quatro rapazes desceram do ônibus e os homens que montavam o coreto para as festas do Natal e ano novo, pararam de trabalhar e ficaram observando.

__São almofadinhas – falou o mestre.

E continuaram suas tarefas.

Os rapazes se dirigiram à única pousada da cidade e alugaram um quarto. Eram estudantes da capital em férias no interior. Mas, afinal, o que quatro estudantes da capital vieram fazer naquele fim de mundo?

__Somos estudantes de Botânica e vamos catalogar plantas e borboletas.

Pronto. Informação dada. Boca do povo fechada.

Assim, os rapazes passearam pela cidade, como seres de outro planeta, porém, logo ganharam a confiança daquela gente simples, que sequer fechava as portas das casas na hora de dormir.

Então, quando os rapazes indagaram por uma certa erva, que crescia no mato, dona Luiza autorizou o filho a acompanhar os visitantes em busca de sua pesquisa.

De posse das folhas desejadas, os estudantes se trancaram no quarto e começaram os experimentos. Pediram um balde, uma bacia, alguns talheres, um socador de milho, sal, água, bicarbonato e outras esquisitices, no que foram atendidos sem maiores questionamentos.

No último dia do ano, ocupadas com as preparações para a festa, as pessoas não notaram o sumiço dos rapazes. Então, quando todos se reuniram em volta do coreto esperando o momento da queima dos fogos de artifício, sob um céu repleto de estrelas e uma lua cheia gigante, ninguém viu uma nuvem invisível se aproximando e ela trazia o caos e a desgraça na bagagem.

Tudo começou quando a porta da pousada se abriu e os quatro rapazes saíram para a rua totalmente despidos, trazendo nas cabeças guirlandas feitas com as folhas da erva, que, supostamente pesquisavam. Era visível a alteração nos rostos contorcidos, como se incorporados por espíritos malignos.

Espreitando como lobos eles percorreram as casas vazias, quebraram portas com pontapés, reviraram cômodos, urinaram e espalharam as próprias fezes nas paredes e maçanetas. Quando chegaram na última casa da rua encontraram uma jovem menina, que ali vivia acamada desde a infância. Insanos que estavam, arrancaram a pobre menina da cama, despiram-na e bailaram com ela na rua deserta, depois, cada um deles a possuiu sem piedade ou pudor. Saciados os desejos, largaram o corpo da menina e se foram mato a dentro, sem perceber, que a mesma dava o seu último suspiro.

Horas depois, quando a festa de comemoração do novo ano terminou e as pessoas voltaram para casa, encontraram o corpo da menina no meio da rua e não levaram dois minutos para deduzir sobre os culpados.

Dizem que, a surpresa e o terror das faces logo se transformou em raiva incontida. Os olhos saltaram das órbitas, as mãos se armaram com paus e pedras e a turba enfurecida encontrou os rapazes adormecidos sob a sombra de uma árvore grande e muito antiga.

Acordados do sono profundo os rapazes mergulharam num pesadelo, pois quatro cordas foram lançadas nos quatro galhos da árvore e ali viram suas vidas ceifadas sem qualquer misericórdia.

No dia seguinte, a menina foi enterrada, enquanto os corpos dos assassinos ficaram lá pendurados como banquete para os abutres. Quanto à árvore dos assassinatos, esta nunca mais floresceu, e, de vez em quando, expele de suas veias um líquido incolor, como se fosse uma lágrima pelo fato ocorrido.

Ondina Martins
Enviado por Ondina Martins em 30/12/2022
Código do texto: T7683108
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