A DISCUSSÃO

Esta é uma obra de ficção e os aspectos apresentados são mera coincidência.

A DISCUSSÃO

Era maio e o verão já se fora. Uma brisa fria começava a perturbar o pescoço daquele caribenho de pele queimada pelo Sol e de andar machorrento, cabisbaixo....Aprendera a tomar mate com desenvoltura e já o confundiam com argentino.

"Menos mal " dizia, já meio agauchado.

Fazia um bico aqui outro acolá e ia vivendo e angariando experiências para sua teoria. Ia changueando... changueando... e como!!!! Dava para se defender. E sentia falta do São Pedro. Principalmente da louca de Bento.

Mas já se transformara em gaúcho meio assumido. Até passeava na rua da Praia azarando as gurias.

" Mas que côsa mui linda!!"

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" Que linda, rica!!! Voy a invitarte a cenar en mi casa, quieres?"

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Tentou dar uma cantada numa señora do correio, lá bem perto do Magestic, onde tomava uns tragos, sempre pago por outros, que se encantavam com suas teorias.

- Ele é meio mercosul, dizia a balzaquiana encantada com o portunhol do galanteador. Cabelos compridos, bombachas, alpargatas, uma camiseta com a foto do Che Guevara comprada no Shopping Chão da Rua da Praia. Um changueiro típico. E da campanha.

Quando a boina caia para um lado e começava a babar, era a dica para, com maior ênfase, dar suas tiradas de Freud campeiro.

Acostumado a tomar aquelas cañas brabas da sua terra natal , quando conseguia com muito sacrifício, pois as boas eram do Partido, sempre estava sóbrio e lúcido. Em La Habana aprendera a beber com um russo que havia ido instalar umas antenas perto de sua casa. Só sabia que o russo tomava tudo o que aparecia na frente. Após o trabalho, álcool era com ele. E como dizia-

- "DA! IÁ PIU PATAMUCHTA IESLI BUILA MASSA IÁ BUI ESTOBL" .. Num bom português: "Bebo, porque se fosse sólido eu comia".

Atirado para trás, como vão de cerca, saboreava o que lhe pagavam, em meio a atmosfera que abrigou durante longos anos o poeta Mario Quintana, bem na entrada principal do antigo hotel.

Lá pelas tantas, surge um personagem emblemático.

Era João, o Vermelho. Conhecido cachaceiro das redondezas do viaduto da Volunta que abraçou a teoria marxista e hoje a defende com unhas e dentes. Agora importante figura política, dono do campinho.

Alegara que fora torturado e conseguira uma grana preta do governo. Tomou tudo de cachaça. Também andou no meio dos sem-terra. Diziam que ele era dos sem-trago.

- " Amigo Che, passei uns quatro ano tomando cada baita trago por conta da ditadura..mas , baaah...." sempre dizia.

- " Na minha terra, tu irias para el paredón, borracho"

- " Mas vira essa boca pra lá, oh, cubano de merda" disse .

- " Só estoy falando a verdad. Es lo que acontece. Vocês não acreditam? Bueno, pelo menos, se não fossem para o paredón, iriam para a prisão perpétua por irem contra la revolución y el comandante."

- " Grande Fidel, hein??..." falou um amigo chegando para a discussão. Mas, João, prosseguia, me conta direito esta história, pois desde que te conheço sempre te vi no trago e não me consta que foste torturado, só por falta de canha, não é?"

- " Bueno, Mario, disseste tudo e não se fala mais nisso."

- " Não, não, não , não, mas, como? E agora que te consideras o maior intelectual marxista do sul , passas botando a maior banca e aprontando, até contra os professores? Qual é? Retruca Mario.

- " Antes quero que o Quevara me explique o que houve com sua tese lá na..."

- " Não foge do assunto, João, fala Mario.

- " Bueno, já que fui inquirido, digo que a mi teoria foi considerada como una caja de fresas!!! Aquilo lá é tudo um bando de ignorante. Nada entiendem de psiquiatria. Só de trago e bandera roja".

- " Mas adonde foste te meter, oh, índio véio? Tu não sabia que lá só tá a turma do João? "

- " Ah, sí, ahora entiendo."

- " Vamos mudar de assunto. Tem muito chope para tomar e, além disso, estou de folga hoje. E outra coisa, hoje já tô com o latão cheio. Se me encherem o saco, cago vocês de pau com minha tropa de choque."

- " Mas, João, é aquela gurizada que usas nas passeatas e nas manifestações de vocês? Deixa de ser bandido, oh, cara? " diz Mario.

- " Em tudo que é manifestação democrática tão sempre me esperando. Sempre na frente, tudo de pé, que nem ovo em geladeira, ora não me incomoda. São o partido do futuro"

- " E tu ficas só de trás e não te expõe , não é safado? Isto é nazismo puro, e cafajestada da melhor qualidade. Manifestação democrática uma ova!!?" responde Mario

- " E daí, as massas é que ..."

- " Entendi, tu é o intelectual do chope? Tu é que nem hippie de butique, não é?" insiste Mario

- " Mas, claro. E quem vai ficar para estudar a doutrina e comandar as massas?"

- " Agora entendo. E não me surpreende. Por isso que no teu partido só tem rico e recalcado. A doutrina que querem nos aplicar os russos já a expulsaram e todo o bloco comunista caiu como um castelo de cartas. Não foi preciso nem um tiro. Foi com um espirro de liberdade. Se cagaram todos. Até Lênin e Stalin se cagariam se estivessem lá, só vendo a merda que criaram. Que nem tu naquele dia do casamento do Tonico: caíste de bêbado e te mijaste todo, lembras?”

- " E Cuba, ainda não está de pé tendo todo mundo imperialista contra?"

- “Sim, mas está toda cagada e mijada como tu naquele dia, não é?” responde Mario que prossegue no ataque a João.

- " É, mas, uma pergunta: não gostarias de morar lá ? Cuba deve ser loco de bom, assim como outras democracias socialistas altamente progressistas como Albânia ou Coréia do Norte, que achas ? Te contentarias ganhando 20 dólares por mês?"

- " É!!!"

- " João, João, João..."

- " Olha lá, João, tem um guri daqueles teus correndo para cá , gritando por ti e trazendo um papel. "

- " Companheiro João, ganhaste a passagem do sorteio do partido pra Cuba e é para semana que vem- ajudarás na colheita da cana socialista." Fala com jubilo o guri.

- " O que é isso, companheiro, não poderia ser uma viagem para Bahia ou Paris? Não me sacaneia, oh, carajo!!!. Me esquece.”