A filha desconhecida - Coisas que só acontecem comigo - XLVII

A filha desconhecida.

Coisas que só acontecem comigo - XLVII

Meu celular tocou por volta do meio dia, quando estávamos à mesa para o almoço do domingo. Eu já ando cheio, até à tampa, com tantas ligações, à cada momento, vindas de operadoras de telefonias móveis. Já bloqueei mais de cinquenta desses telefones, só que eles não desistem. Seus arsenais são enormes.

O aviso de "possível fraude" deixou-me bem mais tenso pela inconveniência, mesmo assim, resolvi atender.

Do outro lado da linha, uma voz feminina demonstrando nervosismo, mas suave, aguardava minha atenção. Pedi licença à família e me levantei, indo para a sala da frente.

- Pois não! Você deseja falar com quem?

- Com "seu" Tatanael, é o senhor?

- Sim e não. Meu nome não é esse, porém como algumas pessoas têm dificuldades na pronúncia, eu atendo. Do que se trata?

- Quero lhe convidar a vir conhecer sua filha. Ela já tem seis anos, ainda não foi registrada e precisa estudar. Você sumiu e a muito custo e sorte, consegui o número de seu celular.

Existe um sacerdote famoso, desses da televisão, que disse sorrindo, recentemente, já ter recebido mais de vinte pedidos de reconhecimentos de paternidades. Eu ainda não cheguei a esse número, talvez, por não ser - graças a Deus - nem rico nem bonito nem famoso e menos ainda padre!

Por coincidência, uma escritora que amo tanto escreveu um conto, colocando-me no centro da trama. Eu tenho quatro (4) filhas e não sei o porquê que a levou a dizer que eram seis. Sendo confirmada tal notícias, só me faltaria uma de agora em diante.

Um outro problema era que meu almoço estava esfriando e enquanto umas pessoas da casa esquentavam, outras já ferviam.

- Moça, como é o nome da menina?

- Per-se-pho-ne. Respondeu ela, compassadamente, reproduzindo letras, sílabas e sons.

- Por favor, quem é a mãe?

Não sei porque, mas comecei a imaginar que aquilo fosse um trote de algum presídio feminino. O imbróglio aumentou porque a interlocutora estava passando de nervosa a irritada.

- Você está fazendo hora com minha cara, é? Eu vou aí na sua casa levar seu presente.

Eu não sou de perder o temperamento com facilidade e tentando manter o equilíbrio como aramista do circo, continuei.

- Calma, moça! Essa notícia não é fácil de digerir, especialmente, porque não lhes conheço nem sei onde vocês moram.

- Ah! Sabe não, é? Meu nome é Am-bro-si-na. Ambrosina, entendeu? E moro aqui em Tomar de Geru…

Por não ter entendido aquela frase agressiva, perguntei:

- Ó, ó,ó… Tomar onde mesmo, moça? Que papo é esse? Precisa apelar para as gentilezas?

- To-mar-de-Ge-ru. Não queira dar uma de "João sem braços" pra cima de mim que não cola, viu? Na hora de fazer o "heitemiraxe" você foi muito delicado e amoroso, mas para assumir, nada! Era-lhe mais fácil sumir que assumir.

Dos 75 municípios do estado de Sergipe, Tomar de Geru, a 134 km ao Sul da capital, no limite com a Bahia, é um dos cinco últimos onde nunca estive. Também não me recordo de, algum dia, na vida, ter-me encontrado com alguma Ambrosina.

- Senhora, meu nome não é Tatanael, nunca estive na sua cidade e nunca conheci mulher alguma com seu nome.

- É você mesmo "seu" manhoso! Você era motorista da Viação B… e deixou de fazer linha pra cá, quando lhe falei que estava grávida. Você não presta, bem que me avisaram que os motoristas são todos iguais. !

- Senhora, eu nunca fui motorista de ônibus, minha CNH está vencida desde 2005 e nada me anima a renová-la. Como é fácil comprovar, por esse tempo, a menina estava longe de ser gerada. Por outro lado, não julgue as pessoas por sua profissão. Vou lhe mandar pelo Whatsapp meu endereço. Vindo à Aracaju, procure-me, terei paciência para ouvi-la e por favor, traga a Performance.

- Não é performance, seu engraçadinho. É Per-se-pho-ne!

Terminada a ligação veio-me outro questionamento:

- Quem era? Que conversa mais estranha foi essa?

- Sei lá! Uma mulher dizendo que eu tenho uma filha com o nome de Performance. Minha performance já não é muito boa e ainda me aparece uma filha com esse nome. Só sendo gozação.

- Como é que é? Comece a desenhar essa história, bem direitinho pra mim…

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Essa, lamentavelmente, não é uma história agradável, entretanto, é um fato comum na vida das mulheres. Não que elas sejam inocentes e desavisadas, não são. O Brasil está cheio de mulheres abandonadas, filhos órfãos de país vivos, avós criando netos por irresponsabilidades de terceiros, crianças nos semáforos, ou nos conselhos tutelares, orfanatos, ou debaixo dos viadutos. Eu me vi duplamente enredado nesse telefonema absurdo. No final da década de 60, engravidei uma mulher. Todas as vozes às quais recorri em busca de conselho, indicaram-me duas possibilidades: o aborto, ou escafeder-me, pois "quem pariu Mateus, que o balance". Optei por nadar contra a correnteza, pelo caminho mais dolorido. Sofri, penei, contudo sem agredir minha consciência. Fiz família.

Ambrosina, Guilhermina, ou Stéphane são apenas nomes e números na estatística das desesperadas. São apenas mais algumas dessas infelizes que foram compelidas a carregar uma tripla cruz, quando já não tinham ânimos para conduzir uma.

Mais uma vez, eu não precisei sair da curva pela tangente.

- Affff…!

Ps.: Perséfone (Περσεφόνη), segundo a mitologia grega, era uma deusa do submundo… Marminino! Onde foram me meter!