O CANIVETE E O TUBARÃO

Marcolino esteve na porta do bilhar de Tota Medrado feito franga de primeira postura que não encontra lugar bom para fazer o ninho, até que seu Olegário apareceu do outro lado da rua. Mais que depressa ele foi buscar a cerveja véu de noiva e trouxe para a mesa favorita do seu cliente favorito.

- Oh! Seu Olegário, seu Mané Fagundes esteve ontem aqui e já estava cheio de cana quando disse que o senhor já pescou tubarão com canivete. Como foi isso?

- Olhe menino, é verdade, mas não foi bem assim não. Eu matei o bicho, mas não pesquei, pescando mesmo com azul ou arpão como deve ser.

Eu vou lhe contar bem direitinho para não parecer que eu gosto de contar vantagem, de mentir como muita gente faz só para parecer mais do que é. Eu não sei mentir, nem gosto de ouvir mentira.

Foi assim, naquele tempo tinha uma loja grande no Recife que vendia tudo quanto era de tralha para pesca e eu fui muitas vezes pescar mais meu amigo tabelião Mané Fagundes, na beira do Rio Capibaribe, lá para as bandas da Bicopeba, pegamos até um camorim pim que deu um trabalhão danado para sair da água, foi um fim de semana que ficou na história...

Mas voltando ao canivete, um amigo meu lá do Iran, que antigamente se chamava Pérsia, era cuteleiro de primeira e fez, para me dar de presente por conta de uns favores que eu fiz para ele, um canivete desses que a lâmina entra no cabo, que nem navalha, e tem uma trava para não deixar ele fechar e cortar os dedos de quem tiver usando ele.

Compadre Ambrósio tinha uma jangada grande, com mais de quatro metros e chamou a mim e a seu Mané tabelião, para irmos pescar lá na lama da cachorra, perto da desembocadura do Rio Jaboatão que estava dando muita tainha grande e gorda.

Apesar de eu saber manejar, e bem, a tarrafa eu prefiro pescar de anzol com isca viva.

Compadre Ambrósio arriou a caçoeira no ponto de espera e eu fiz um lance bom, foi a isca bater n’água e fisgar um peixe que não deu nem para saber qual era, porque um tubarão grande, devia ter três metros ou mais, roubou meu peixe deixando só a parte da boca que estava com o anzol.

Fiz novo lance e o danado comeu outra vez o peixe que eu tinha fisgado. O bicho era inteligente, sabia comer o que estava preso no anzol sem ficar preso nele.

Aí eu fiz um parangolé de três anzóis, isquei e coloquei na água bem juntinho da jangada. Não deu outra, o tubarão caiu na minha armadilha, comeu a primeira isca, eu recolhi a linha até o parangolé ficar na minha mão, armei o canivete e fiquei na espera, quando ele veio comer outra isca, danei-lhe o canivete no lombo e sustentei a lâmina dentro, com a arrancada que ele deu, fez um talho desde o pescoço até o rabo, aí ele arrodeou a jangada e veio pelo outro lado, eu danei-lhe outra espetada e quando ele arrancou para se ver livre da dor, fez outro corte tão grande do outro lado que ficou aparecendo os ossos dele, aí ele foi-se embora porque viu que dali ele só levava prejuízo.

Nesse dia a gente pegou uns setenta quilos de tainha, distribuímos peixe com aquele pessoal pobre que mora por lá e eu não trouxe nenhum para casa, porque Maria detesta cheiro de peixe...

GLOSSÁRIO

Arrodeou = dar a volta, circular.

Bicopeba = cerâmica antiga

Camorim = robalo, Centropomus undecimalis, C. parallelus

Caçoeira = rede de pesca

Parangolé = espinhel vertical

Tainha = Mugil brasiliensis