Saudade

Vagava sozinho na madrugada. Sentia o vento quente de verão bater em seu rosto. Acabara de viver uma história muito doida. Talvez uma das mais selvagens. Porém ninguém mais a contaria, só ele. Ninguém mais sentiria sua falta, só ele. Sentia como se seu corpo fosse um e sua alma fosse outra. O olhar era distante e o pensamento ia além do horizonte. Caminhava sozinho pela praia.

O céu estava mais ou menos estrelado; olhou para as estrelas e imaginou a quantos quilômetros uma se encontrava da outra. Mas pareciam tão perto! Lembrou-se então que a saudade era exatamente assim: duas pessoas poderiam estar muito longe, mas quanto mais uma pensasse na outra, mais próximas pareciam estar. Mas com ele era o contrário. Quanto mais pensava nela, mais longe ela parecia estar e mais só se sentia. Sua alma se dilacerava em pequenos pedaços de solidão.

Deitou na areia, fechou os olhos e deixou que sua alma flutuasse sob o tépido vento.

Via a imagem daquela menina bonita na sua frente claramente; era como se fosse hoje. Aquela mesma menina que ele um dia fora apaixonado e a mesma que um dia o fizera tão feliz, hoje o fazia muito triste; porque se nunca tivesse conhecido ela, jamais passaria pelo que passava agora.

Conheceram-se na faculdade e tiveram um namoro durante os quatro anos de curso, a primeira grande paixão de ambos. Só que depois a vida se encarregou de separá-los. E quinze anos mais tarde se encarregou de juntá-los. Mas com outros propósitos.

Se reencontraram na festa de um amigo em comum, por acaso. Se reconheceram e se falaram felizes porém ainda com um estranhamento do tipo: “Você me deu tanto prazer quinze anos atrás e agora está aqui na minha frente, sozinho.” Um pouco constrangedor talvez.

Só que logo que começaram a conversar o assunto fluía naturalmente, como sempre. Saíram da festa caminhando distraidamente até chegarem à praia da frente. As lembranças voltaram bastante intensas nas cabeças deles. Tempo bom esse de faculdade, lembravam o tempo todo. Viram a lua cheia e também as brincadeiras da época que brincavam de ser profissionais.

E no melhor das lembranças, quando os olhares pareciam regredindo para quinze anos atrás o celular dela tocou. As amigas estavam a sua procura. Ela mandou que elas fossem ao seu encontro e rapidamente elas chegaram.

A morena tinha cabelo que ia até a bunda e um sorriso perfeito. Ele a olhou e sorriu também. Foram apresentados e a conversa entre os dois estava tão boa que pareciam dois hipnotizados caminhando pela praia e descobrindo um ao outro. Nem notaram o quanto estavam afastados. E quase não notaram o que fizeram depois.

Mas no dia seguinte se lembraram. Um se lembrou do outro e também pensou no outro.

Marcela sentia uma felicidade explosiva no peito. Sentia-se a mulher mais feliz e poderosa do mundo. Podia abraçar o mundo, se quisesse. Olhou para o filho que dormia ao lado e a foto do marido sorrindo na mesinha de cabeceira. Pensativa, pegou o papel com o telefone daquele homem. Ainda olhou para aqueles números vendo o sorriso dele ali. Mas em gesto único, rasgou o papel. Jogou fora e também engoliu, com melancolia, a dor da saudade.

Continuou a arrumar as malas da mudança para os Estados Unidos, onde encontraria o marido.

Foram quatro semanas de uma saudade imensa do sexo daquela mulher. Bernardo esperou de maneira paranóica a ligação de Marcela, mas nada. Se arrependera de não ter insistido para ela dar seu número de telefone para ele. Resolveu então ir ao local onde tudo aconteceu. Olhou para a areia iluminada apenas pela lua novamente cheia. Lembrou-se da explosão de orgasmo que tivera ali mesmo e deixou seu corpo e sua alma sentirem a lembrança.

A saudade então o guiou para o sono. Um sono que talvez fosse eterno. E daquele momento só havia lhe restado a saudade. E a vontade.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 13/12/2007
Reeditado em 13/04/2008
Código do texto: T776336
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