O GUIA

A necessidade de escrever um romance estava cada vez maior, quase incômoda.

Então busquei um local aonde ninguém me encontrasse.

Aluguei uma choupana perto de canto nenhum, ao lado de um farol semiabandonado e me retirei da vida por não sei quantos dias até que a despensa me deu o recado de que estava precisando ser abastecida.

Meu jantar foi restos do pão preto duro como pedra e uma lata de sardinha.

Nas prateleiras só poeira e do caibro dos defumados, só ganchos vazios. Sobre o fogão de ferro, no fundo da chaleira, descoloridas jaziam as últimas folhas do chá que haviam cedido suas cores, aromas e sabores.

O relógio de pulso, sem corda, havia parado marcando oito e meia ou vinte e trinta de um dia que eu já não fazia ideia qual.

Eu estivera mergulhado na produção do romance, alheio a tudo à minha volta.

Apenas os personagens, suas falas e emoções, os ambientes tudo tão diferente do local em que eu estava.

No romance havia sol forte sobre o lavrador estafado, balido de ovelhas perseguidas pelo cão pastor, mas ao meu redor somente o escuro da noite e o silêncio da solidão.

Acordei sem saber a hora certa, porque o relógio continuava marcando oito e meia, mas pela altura do sol naquele fim de outono, devia ser perto do meio dia.

Teria que andar bastante desde a choupana até o centro da povoação que o rapaz que me trouxe, informara que em poderia me abastecer do que precisasse.

Pensei em fazer a relação do que iria comprar, mas a lista se resumia a apenas uma palavra – TUDO.

O vento frio acariciou meu rosto, como quem diz, você ainda está vivo? Que bom vê-lo outra vez... a sinuosidade da trilha e a lentidão dos meus passos alongavam a distância, mas entre subidas e descidas, finalmente vi os telhados denotando antiguidade e falta de trato.

Primeira parada, a taverna.

Uma caneca de cerveja morna para acariciar o estômago faminto e uma travessa de carne de porco guisada com grão de bico e pão para saciar a fome.

No bazar ao lado da igreja comprei uma garrafa de rum e os mantimentos para uma semana pois, julguei ser o tempo necessário para a conclusão do romance e voltei para a taverna onde Dom Pascoal me esperava com caldo de lentilha, broa de milho e café.

A noite preenchia todos os espaços depois da porta que se fechou atrás de mim.

Com passos, agora mais lentos por conta do peso dos mantimentos, cheguei ao final da rua demarcada por casa em ruínas e continuei andando na direção da choupana.

A camada de neve e o escuro da noite fizeram a trilha desaparecer e quando tropecei numa raiz mais saliente do chão, notei que eu havia perdido o rumo de casa por causa da mataria e da bruma cada vez mais densa, mas mesmo me considerando perdido, continuei andando porque morreria congelado se parasse sob os flocos de neve que caiam sem pressa.

De repente, numa clareira, avistei a luz difusa do farol repetindo intermitentemente, venha em minha direção...