A PRESENÇA DE TIÃO

Sebastião dos Santos, o Tiãozinho da Tunica gostava das fogueiras. Não perdia uma. E olha que lá por onde ele morava aconteciam muitas. São João na roça é festa tradicional e bonita.

Quando a fogueira acontecia na Fazenda Santa Luzia de propriedade do seu amigo João Custódio ele costumava chegar bem cedo. Era de casa, os dois eram amigos desde a infância, praticamente irmãos. E todos naquela casa gostavam muito do Tiãozinho. Ele ajudava nos preparativos, corria de lá para cá e de cá para lá, varria o terreirão, era bom cozinheiro e ajudava a fazer as quitandas, procurava as lenhas boas e depois armava a fogueira, furava o buraco para o mastro. Fazia de tudo. Ele fazia a festa. A festa era ele.

Depois quando a noite chegava todos se reuniam para as funções religiosas. Na sala de paredes brancas onde estavam pendurados diversos quadros de santos o clima era de respeito e oração. Por sobre o umbral da porta do quarto de Custódio ficava o famoso quadro pintado em retrato não muito fiel dos membros da família. No quadro cinco elementos: Custódio, sua esposa Maria e os filhos Luzia, Inácio e Luiz. Algumas cadeiras dispostas nos cantos, uma mesa rústica de madeira bem ao centro da sala e em cima dela a bandeira de São João.

Tiãozinho acompanhava o terço, depois seguia o cortejo da pequena procissão com a imagem do santo que serpenteava pelo quintal e parte da estrada de poeira, esperando pela festa que vinha depois.

O levantar do mastro era precedido pela alegria e a animação do “não bambeia”, e logo após, o acendimento da fogueira.

As chamas crepitavam na noite fria de junho, esquentando o ambiente e os ânimos. Chama de tradição e de muitas historias do povo do chão, dos filhos da terra, dos solos da simplicidade e de tudo aquilo que se perde no tempo e é passado de geração a geração...

Depois era tudo festa. Biscoito na peneira, canjica quentão, dança e sanfona no terreirão de chão batido...

Tião era a grande atração. Animava a todos, cantava, pulava a fogueira, dançava, contava seus casos, piadas e mentiras, agitava a festa como podia.

Depois de alguns quentões ficava animado, abraçava o dono da festa e agradecia por estar ali. Saudava a todos com um belo discurso. E dizia que sempre estaria presente naquela festa. Aquilo era tradição e tradição era tradição, não podia falhar. Mesmo depois de morto acharia um jeito de comparecer. Jamais perderia a fogueira do compadre Custódio.

Todos riam do seu jeito de falar. E todos por ali tinham adoravam seu jeito simples, alegre e festivo.

Mas no ano passado as coisas estavam um pouco diferentes. O corpo esguio de Tiãozinho já não era mais visto gingando pela casa. Já não mais podia ajudar nos preparativos, não dançava, nem fazia discursosTudo ficou mais triste. Parte da animação da festa se foi com ele para as terras do nunca mais.

Os fieis frequentadores daquele evento, reunidos na mesma sala esperando a reza do terço, notaram uma coisa diferente. O quadro sobre o umbral da porta do quarto de Custódio era outro. Continuava sendo um quadro de um pintor retratista não muito talentoso, incapaz de reproduz com fidelidade as figuras ali contidas, mas existia uma figura a mais. Era ele o Tiãozinho do Tunica. E não é que o danado deu mesmo um jeito! O motivo daquilo, um pedido de Tião em um sonho de Custódio. Ele estaria sempre ali naquela sala diante de todos rezando o terço na noite de São João.

E depois o retrato foi levado para o terreiro onde a festa animada acontecia. E Tiãozinho como não podia deixar de ser, estava nela. Afinal de contas, tradição é tradição.