O homem Solitário

O homem subiu a montanha uma última vez, não se lembrava quantas vezes havia repetido aquele caminho em sua vida. Já não tinha forças para carregar a carga, o cavalo estava enterrado junto a pequena casa, então subia de mãos vazias desta vez, tendo apenas como companhia o velho cão.

No pico da montanha estava tudo o que tinha de mais precioso. Isolado ali no pequeno vale o homem não tinha amigos, nunca amou uma mulher, nunca teve um filho, trabalhou todos os dias sem folga, vendeu toda madeira que podia e guardou todo o dinheiro em baús, vinte no total, riqueza suficiente para gerações em abundância, todo ali no pico do monte, onde agora o homem se deitaria uma última vez.

O cão latiu fraco, já estava velho, tão velho quanto o dono, talvez sobrevivesse uma semana ou duas sem os cuidados do velho amigo.

O homem forçou os olhos contra os raios de sol, o coração acelerou batendo forte, pode ver uma silhueta em baixo da grande árvore.

Quando o estranho subirá o monte? O homem estava confuso e com medo, nunca tinha se esforçado para esconder os baús.

Deveria levar a espingarda deixada sobre a mesa? Ou o machado junto aos tocos abandonados?

O homem estava cansado demais da vida, aceitou que seria melhor sugerir ao estranho que poderia levar todo o dinheiro assim que seus olhos se fechassem.

Continuou caminhando, a respiração apertando no peito, as pernas doíam por inteiro, precisou parar várias vezes.

Finalmente pode chegar ao pico da montanha, o estranho sorria, tinha os cabelos tão brancos quanto os seus.

O homem sentiu cheiro de ensopado, um cheiro arrebatador, ele adorava ensopado, as pernas fraquejaram mas o estranho o apoiou.

- Calma, ainda não está escuro e já quer se deitar?

A voz do estranho era familiar, o homem não pode se lembrar.

- Venha, é seu prato predileto se não me engano.

O estanho cheirava a incenso, uma mistura de mirra e um outro perfume que o homem nos soube distinguir.

- Não vai dizer nada?

Onde já tinha ouvido aquela voz? Era familiar demais, lembrava a voz do velho pai.

- Tome, coma, temos pães para acompanhar.

De repente o homem se lembrou, havia recebido aquele estranho em sua casa alguns anos atrás e após oferecer-lhe um ensopado e pães ouviu sua história.

As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do homem.

O estranho as enchugou com carinho.

- Eu também já estava com saudades.

- Você prometeu que voltaria - disse o homem com voz fraca - prometeu que eu poderia acompanha-lo.

- E hoje eu vim cumprir minha promessa amigo - disse o estranho - como prometi estava apenas preparando sua nova morada.

O cão se deitou aos pés do homem.

- Mas eu estou velho demais, nunca soube lidar com outras pessoas, eu não amei ninguém, nunca tive amigos, tudo o que tenho está nestes baús e eu não tenho força pra carrega-los.

- Isso não vem de você, sou eu quem decide a quem levar e você está muito enganado sobre tanta coisa que é melhor eu adiantar para que não se surpreenda quando chegarmos lá. Na casa de meu pai há muitas moradas e tantos moradores quanto as estrelas do céu. Há um lugar pra você que nunca teve amigos porque você sempre foi meu amigo desde quando nos conhecemos. Ainda que não tenha tido amores nesta terra, você me serviu e me amou quando contei minha história e acima de tudo você sempre acreditou, eu já me apresentei a muitos que rapidamente me esqueceram, muitos que duvidaram da minha história, muitos que requisitaram provas, mas você acreditou, isso pra mim é suficiente.

O homem sorriu, podia sentir uma alegria imensa no peito.

Enquanto a noite crescia a luz aumentava cada vez mais e mais.

A luz daquele que nunca foi realmente um estranho, mas sim um bom amigo, Jesus. Ah como o homem sentiu saudade todos os dias, finalmente ele poderia estar com ele pra sempre.