Cara de Cavalo

Dona Etelvina chegava à noite, praticamente às 00:00hs após a lida na fábrica de sapatos. Era corrosivo e extenuante, mas amenizado pelo bate-papo com a minha mãe crocheteira. Ela era uma figura corpulenta e com pés enormes. Seus chinelos pareciam uma lancha. O rosto era comprido e com rugas, as mãos eram ásperas e os dedos tinham nós; mais tarde fui entender que era uma tal de artrose.

Mulher de fala estridente, com o ar aborrecido e sempre incompreendida. A aposentadoria custou a chegar, mas quando bateu à sua porta, dona Etelvina despencou. Parecia imóvel e quase balbuciava. Os nós dos dedos aumentaram e atrofiaram. Seus pés continuavam gigantes e tinham duas bolas roliças de cada lado do seu pé. Começou a fazer um rombo dos dois lados de sua lancha.

Figura esquisita e amarga, dona Etelvina, começou a colocar apelidos nas pessoas, e o que ela mais gostava de proclamar em voz alta, (inclusive) era - "Seu cara de cavalo"!.

A minha mãe era amiga da dona esquisita. Era a única que a ouvia e a entendia. Um belo dia resolveram ir à feira, mas; dona amarga arrumou briga com o moço das bananas e o tachou severamente de - "Seu cara de cavalo"! Minha mãe indignada chamou a sua atenção: - Etelvina, pare com isso, mulher! Que coisa feia! Você me mata de vergonha! Ao passo que dona Etelvina respondeu de pronto: - " Mas você também tem cara de cavalo! Só que é um cavalo com a cara média.

Ficaram uns dias sem se falar, mas na outra semana dona grandona bateu em nossa porta para conversar com a minha mãe com cara de cavalo de cara média. - Não chegue mais perto Etelvina, pois estou pronta para te dar um coice! ... E as duas gargalharam por um bom tempo. Fizeram as pazes e se abraçaram. De novo surgiu um convite ( confesso não saber de que lado da baia partiu ) para irem à feira. E dessa vez dona Etelvina arrumou confusão com o verdureiro. E gritou em alto e bom som: - " Seu cara de ..." Minha mãe olhou-a bem de perto e ela mudou a frase - "Meu anjinho, você errou o meu troco. Quando chegaram em casa, dona barraqueira corpulenta revelou à minha mãe: - "Aquele cara de cavalo pensa que eu sou trouxa" Ele errou o meu troco de propósito! E a minha mãe com cara mediana de cavalo respondeu. : -"Não, Etelvina, pelo andar da carruagem, a feira inteira te acha uma égua velha e muito arrogante "!

Bem, a amizade não esfriou, mas agora os apelidos de dona Etelvina eram outros bem mais criativos. Dentre eles pude ouvir - "Seu pé de porco, meu anjo, faça -me um favor. (...).

História verídica.

Kathmandu
Enviado por Kathmandu em 08/08/2023
Reeditado em 27/09/2023
Código do texto: T7856289
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