O oco do pau

O oco do pau.

A Praça Marechal Deodoro, em Teresina, mais conhecida como Parque da Bandeira, embora não tenha bandeira alguma hasteada, tem uma área de quase 34.000 m² de arborização, onde, predominantemente, se destacam os oitizeiros, algumas carnaubeiras e bambus. Sem dúvidas, é um dos pontos mais agradáveis da cidade pelo clima e sombras e um pombal imenso..

Quem adentrar pelo portão que dá para o Mercado Central, logo em seguida, olhando para a esquerda, verá um oitizeiro ocado, a partir do rés do chão, com pouco mais de 60 centímetros de altura, em forma de triângulo, com base de 40 cm.. Aí está o cerne desse caso.

Estávamos em agosto de 1997, quando eu e minha filha primogênita, Luciana, que deveria ter 22 anos, passávamos, exatamente, por esse ponto, quando um som estranho, vindo do oco do pau, chamou a atenção de minha filha, que me disse:

- Meu pai, tem uns gatinhos ali no oitizeiro. Vamos levá-los para criar?

- Lu - respondi eu -, nossa família já passou da conta. Eu não tenho finanças para ter nem um jabuti para dar água.

Mesmo com minhas recusa, ela insistiu para que fôssemos olhar e fomos. Qual não foi nossa estupefação diante do inesperado. Lá, entre formigas, havia uma criança, talvez, com dois meses.

Diante daquele absurdo, não tivemos outra solução a não ser a de levar a criança conosco. Eram, aproximadamente, 10 horas, com grande movimentação de pessoas nos passeios que entremeiam a praça. A aglomeração em torno de nós foi inevitável. Quem teria feito tamaha desumanidade? Ninguém sabia responder.

Em razão da urgência, fizemos uma assepsia rudimentar, compramos algumas peças de roupas e toalhas, ali perto e saímos com uma preocupação a mais e uma responsabilidade do tamanho do mundo. Procuramos um posto de saúde, pois o bebê de tão debilitado mais parecia uma lagartixa. Tanto que, tempos depois, coloquei nele o apelido de meu Calango.

A orientação pertinente era de que deveríamos procurar a polícia, registrar a ocorrência e solicitar, judicialmente, a guarda da criança. Só que isso iria demorar uma eternidade e nós não tínhamos mais tempo. Urgia a necessidade de retornarmos para Aracaju. Tanto que, por minha conta e risco, decidi que registraríamos a criança em Sergipe.

Luciana estava casada há oito meses. Arley, o marido, tinha ficado na casa da cunhada, onde estavam hospedados. O seu susto não foi pequeno, ao nos ver chegar com uma criança para criar. Pra ele, não foi fácil engolir aquela caso.

Ao garoto demos o nome de Daniel.

O Daniel bíblico fora salvo da cova dos leões e aquela criança, do oco do pau, escapou de inúmeros micro leões devoradores, sem falar na possibilidade de infecções. O garoto foi registrado com a data de nascimento de 11/08/1997, dia em que o encontramos.

Hoje, ele está fora de perigo. É arquiteto e ninguém projeta um meio-fio melhor que ele. Precisando, basta acessar o link abaixo…

Daniel estava com cinco anos, quando resolvi lhe contar sua origem, antes que alguém resolvesse "bater com a língua nos dentes" fora da hora certa.

Ele foi sempre uma criança muito amada. Por ser o nosso primeiro neto, reinou absoluto por muito tempo e soube assimilar com sabedoria os ensinamentos recebidos. Quis os céus, que ele fosse pegando as minhas características e já era muito parecido comigo. Ele ouviu tudo, prestando bastante atenção, sem questionar. Ao final, ele nada perguntou, até parecia que já sabia da história. O assunto nasceu e morreu aí, sem que ele demonstrasse inquietação, revolta, ou surpresa.

Passado mais um anos, Luciana e Arley estavam programando uma viagem de retorno à Teresina e eu falei:

- Daniel não vai. Ele fica conosco. Não é prudente conduzir uma criança numa viagem tão demorada. Além disso, eu desaprovo o deslocamento de uma família inteira no mesmo transporte.

Para nossa surpresa o garoto respondeu:

- Eu preciso ir, meu Vô. Eu sou a pessoa mais interessada nessa viagem.

- Por que? Perguntei.

- Porque eu tenho que conhecer o oco do pau…!

Fila da mãe! Um garoto com seis anos, além de não acreditar numa história que deu uma mão de obra danada pra fazer, ainda tirou onda! Esse promete.

São coisas da minha família.

Ps.: Hoje, é aniversário de meu Calango (26 anos).

Que o Espirito Santo ilumine sua vida!