João Burro Grande

Um dia desses cismei de ir na bodega pra tirar a poeira da goela e descarregar um meio quilo de conversa fiada. Com quem tivesse lá na ocasião. No interior a maioria do povo é gente decente. Conhecidos, amigos, parentes.

Sempre tem os botucudo, metido a brabo. E esse era um dia daqueles.

De vereda encontrei o Araguaia, sujeito pacato, trabalhador que nunca fez mal a ninguém, caminhando meio torto, mancando da perna direita e mais parecendo que tinham esfregado o chão da bodega com a pessoa dele. Eu ergui a aba do chapéu e antes que pudesse lhe dizer qualquer coisa ele ergueu o dedo polegar e disse pra mim: - o senhor avisa o João Burro Grande pra ele colocar os papel dele em dia.

Na nossa linguagem matuta aquilo era um recado de morte. João tinha esse apelido porque pegou o costume de só montar em burros de grande porte. Ele era um sujeito de alta estatura mesmo. (Tinha sua criação, oriunda de um casal de animais grandes que trouxera da Lapa, comprou de dona Querubina Afonso Ferraz, pois velhita que estava, já não queria mais lidar com aqueles animais arredios. Assim que os bichos pegavam porte de montaria ele trazia para meu pai domar.)

Assustado entrei na bodega e então vim a saber: A trôco de qualquer coisa, não é que o João Burro Grande esbordoou o pobre do Araguaia? De certo estava naqueles dias meio atravessando e descontou no homem, que apareceu ali, vindo das barrancas do rio Araguaia, apareceu ali para trabalhar no corte de Pinus Elliottis e o pinus foi acabando e o matuto foi ficando. Adorava pescar, e quando não estava borracho, ou pescava ou trabalhava por dia pra qualquer um que tivesse serviço pra ele. Rendia no serviço. Azar dele foi encontrar o João Burro Grande com os pensamento “de atravessado” como se diz no interior. Logo o povo se esqueceu daquele incidente, pois o Araguaia continuou frequentando a venda, como se nada tivesse acontecido. Mas com a mesma pressa que esqueceu, foi obrigado a lembrar. A casa onde morava João Burro Grande com a família ficava retirado do povo uma légua e meia mais ou menos. Para entrar ou sair da terra dele, Passava sempre debaixo de um grande barranco de pedra amarela chamado de “taipa do rola pedra”, bem ali pertinho daquele imenso cambará, onde um sujeito se enforcara certa ocasião depois de se ver abandonado pela companheira. Pois foi mais ou menos uns três meses depois da surra do Araguaia. Mais ou menos o tempo entre a visita de Santa Maria a sua prima Isabel e o nascimento de João Batista, numa tarde estava passando por ali o autor da surra, quando escutou um barulho anormal em cima do barranco. Desconfiado, carcou as esporas na virilha do burro que montava, mas não houve tempo para reação do animal. Num instante, lá estava João Burro Grande caído no chão estrebuchando ao ser atingido por uma pedra de uns 20 kg. que se escapou lá de cima.

E vai daí que o povo desconfiou do Araguaia. Que logo supôs que iriam colocar aquela morte na sua conta. Assim como anoiteceu e não amanheceu naquela região e nunca mais se ouviu falar mais dele. E o João Burro Grande, esse não bate em mais ninguém.