1179-O NOME DA CACHORRINHA

O NOME DA CACHORRINHA

— Boatardi, cumpadri Zeca.

— Boa tarde, cumpadi Afonso. Vem chegando até aqui na sombra do arpendre.

Subindo os degraus, compadre Afonso foi recebido com aperto de mão e abraço forte.

— Arre égua, o sor tá rachando as mamona.

— É memo, cumpadi. O tempo ta ficando loco, sô.

Depois de muita conversa sobre as plantações, o gado, a situação precária das estradas, compadre Afonso tocou no motivo da sua visita.

— Pois intão to precisando de um favor do cumpade. Minha carroça quebrou e tou sem condição de levar umas vinte saca de mio pra cidade, que negociei com o Juca, cê sabe, aquela do armazém da cafeeira.

— Pois intão, é um prazer sirivir o cumpadre nes’situação. Manhá memo, de manhãzinha, to lá pra lhe ajudá.

Enquanto conversavam, o compadre Afonso observava uma esperta cachorrinha, que não parava um só instante, correndo de um lado para o outro.

— Cachorrinha esperta, essa aí, hein, cumpade. Num para nem pra coçá. E bonitinha, a bichinha.

— Puis é, cumpade Afonso, essa vira-lata taí esperta hoje, mais quando nois incontramo ela na estrada, tava um mulambo só. Parece que ela tinha sido atropelada. Machucada, sangue sujo na pelage, uma dó. Intão, nois cuidamo dela e hoje tái... serelepe que nem.

— É uma vira-lata caramelo. Hoje índia o pessoar que gosta de cachorro tá preferindo essa raça.

— E é inteligente por dimais. Tão inteligente que ela memo iscoieu o próprio nome!!

— Uai, cumpadi Zeca, nunca ouvi falá disso não. I cumo é que é o nome dela?

— Voismecê vai adivinhá. Eu chamo ela, ela vem cá e o cumpade advinha.

— Uai, cumpade, isso eu quero vê.

O compadre Zeca bate as mãos duas vezes, a cachorrinha corre para perto dos dois, e quando chega, dá dois pequenos latidos:

— Uau-uau!!

Compadre Afonso se admira.

— Mais cumpade, que esperta. O senhor nem chamou pelo nome e ela veio correndo.

— Puis é. É assim que ela atende, É esse o nome dela.

— Uai, vosmecê num fala o nome e ela vem. Intão éla num tem nome?

— Maié craro que tem. Quarqué um adivinha. Oia só.

Compadre Zeca repete: bate as mãos e a cachorrinha responde com dois latidos, au-au.

— Divinhô?

— Ara, cumpade, cumo é que vô adivinhá? Num sei não.

Cumpadre Zeca já estava ficando impaciente.

— É facir, facir, cumpadre. Oía, prestenção.

. Compadre Afonso dá uma longa chupada no cigarro de palha, tira da boca, dá uma cusparada no chão e diz:

— Tem jeito não, cumpade, num sou bão nessas divinhação não. Fala logo o nome da cadelinha mode eu podê i imbora.

Compadre Zeca se irrita com os modos do compadre Afonso.

— Puis cumpadi Afonso, pensava qui vosmecê fosse mais inteligenti. Aqui já teve gente mais gnorante que divinhô e o senhor, não?

— Carece me chamá de burro não, cumpadi. Tambem num percisa falá o nome da cachorrinha. Já tou indo...

Compadre Afonso estende a mão para compadre Zeca, que, zangado, se vira, entrando em casa, falando em voz alta:

— Num tô chamando ninguém de burro, não sinhô. Mas que num gosto de gente burra, num gosto memo. Oia, pra incerrá o assunto, o negócio da carroça num tá garantido. Fica prá outra vez.

Cumpadre Afonso ficou parado, por uns momentos. Pegou o chapéu que estava no assento de uma cadeira, colocou na cabeça e saiu pensando.

“ Diacho! O cumpadi Zeca ficou nervoso àtoa. Mais agora, invêz de um probrema, tenho dois: num tenho a ajuda do cumpadi com a carroça e num sei o nome da cachorrinha “

(continua no conto 1183)

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 29 de março de 2023

Conto # 1179 - da Série

INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 20/08/2023
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