PRECE DE FIM DE ANO

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E se fez uma prece na passagem do ano passado para este presente. As súplicas saíram de seus lábios em murmúrios amargos e intranquilos. Com o terço agarrado em mãos, as lágrimas caíram sobre o colchão. Lucinda, querida, por que choras? A resposta: tudo. Tudo a fazia se debulhar em prantos. Viam aquele comportamento como um mero espetáculo dramático, pomposo em frescurite e ingratidão pela vida. As preces ditavam que queria partir. Ah, como queria partir! Visto que atentar contra a própria vida era pecado, ela recorria à Deus, aos santos e aos anjos lhes pedindo o desfecho de sua história; o ato final, ao qual não tinha coragem de realizar. "Lucinda, venha comemorar conosco a chegada de um novo ano, nova história!" Mas, Lucinda se fechou em seu canto, sob os protestos petulantes e insensíveis. O terço embolado e apertado nas mãos. Deus tivesse piedade dela, não haveria de viver nem mais um segundo seguinte sequer; mas viveu, viveu, porque parecia uma espécie de sadismo divino mantê-la acorrentada nas amarras mentais e nas mordaças deste mundo demoníaco. Viveu o ano inteiro. Viu-se obrigada a acordar todos os dias com o peito em chamas, engolindo o pranto. Lucinda se fechou ao mundo. A própria companhia era sua melhor amiga. "Lucinda, és tão fria, tão distante, tão chata"; aqueles à sua volta proclamavam. Eram os secretários do diabo enviados para lhe infernizar. Deixem a pobre menina estar! Não tirem dela a pouca paz que têm na solitude. Cada qual lida com as intempéries da vida como bem lhe convém.

Ansyel Violet
Enviado por Ansyel Violet em 24/10/2023
Reeditado em 24/10/2023
Código do texto: T7916070
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