A IPANEMA DO ROBERTO

Roberto que foi só alegria, vive agora mergulhado na melancolia. Aquela paisagem que foi só felicidade, acinzentou, perdeu glamour, e por fim tornou-se popular.

Bom, vamos para o início dessa história, que foi sendo desgastada tanto com Roberto, quanto com sua eterna Ipanema, que durante algumas décadas foi considerado o mais charmoso bairro da cidade, mas que também perdeu sua hegemonia, seguindo um roteiro de apogeu e queda, que ao longo do tempo segue o traçado da orla marítima em direção a oeste, da Zona Sul carioca. A especulação imobiliária até tentou criar novos Ipanema e Leblon, mas claro que não vingou.

Essa história começou ainda no início do século passado com Glória e Flamengo, bairro dos sonhos de quem vivia na então maravilhosa capital federal, que em termos físicos, era apenas extensão natural do Centro. Sua primazia ficou abalada pela orla e chácaras de Botafogo, onde praticamente se instalaram todas as embaixadas. Depois chegou a vez de Copacabana, quando se descobriu as virtudes das águas abertas, e ela passou a ser o objeto do desejo, então cantada em prosa e verso como princesinha do mar. Para finalmente desaguarmos em Ipanema.

Roberto, antigo morador, vivenciou toda a trajetória do bairro, que deslumbrava visitantes por seus três limites molhados, ao norte pela lagoa, a oeste pelo Canal do Jardim de Alá, e ao sul pelo Atlântico. Apenas a leste, o bairro se encontra com Copacabana, que lhe passou o bastão a contragosto. Naquele momento, ninguém poderia imaginar que sua vizinha a oeste, o Leblon seria sua sucessora algumas décadas depois.

Ele viu seu tempo passar, acompanhando de perto o que sucedia ao bairro. Outro dia, caminhando pela Rua Visconde de Pirajá, principal artéria do bairro, se assustou com a figura arqueada, refletida repetidamente nas vitrines ao longo do logradouro. Era dele aquela imagem – Caramba, como consegui ficar desse jeito?

Não era apenas seu perfil que se alterara, todo entorno sofrera modificações ao longo dos anos, mas foi naquele momento, que Roberto enfim, sentiu a ficha cair. Ai que saudade dos prédios com poucos pavimentos, das calçadas livres e das ruas onde o trânsito fluía naturalmente. Ah e aquela praia, onde todo mundo se conhecia, pelo menos de vista, e de repente se transformou num mar de anônimos, não servindo mais como ponto de encontro e integração de nós moradores, com a natureza.

O pensamento vigente foi gradativamente convertendo a praia em negócio lucrativo, dada a desmesurada privatização, do que já foi generoso espaço público de plena tranquilidade.

Hoje, areias são uma espécie de loteamento irregular diurno, onde empresários invasores exploram gama variada de serviços, com um leque de opções que abarca da simples cadeira de praia, à caipirinha geladíssima, claro, todas tendo como padrão valores extorsivos.

Até existe organização nesse tipo de invasão, para assim evitar atritos, que poderiam gerar prejuízos para todos. Assim, cada um respeita o espaço físico do concorrente, mas nada os impede de posicionar funcionários no território neutro do calçadão, e assim direcionar clientes para sua “jurisdição”.

No setor da areia próxima ao calçadão, o comércio se especializou na administração das quadras de esporte. Lá empresários montam redes e marcação de quadras, e cobram dos interessados uma espécie de aluguel pelo uso do espaço/equipamento. Como cortesia, disponibilizam água do lençol freático, para molhar a areia, e assim permitir jogos, mesmo nos horários de maior calor.

Mesmo próximo ao mar, Roberto não consegue mais relaxar e sentir aquele agradável ruído do ir e vir das ondas, devido à ininterrupta oferta de bens e serviços, propagada aos berros por inóspitos vendedores, que suportam temperaturas que superam os 40 graus.

E por falar em areias, dunas criadas para as obras do interceptor oceânico e o píer montado na altura do Posto Nove, marcaram uma geração de frequentadores atraídos, tanto pela privacidade gerada pelas dunas do barato, como pela boa formação de ondas, propiciada pela fixação dos pilares do píer.

Hoje, apenas chegando bem cedo à praia, Roberto pode ainda desfrutar daquela paz infinita, dos ensolarados dias da saudosa década de 60, quando Vinicius e Cia cantarolavam em prosa e verso, belezas do local.

Em “Carta ao Tom 74” Vinícius já mostra saudades de uma Ipanema que não mais existia. Em “Carta ao Tom (paródia) 77” Chico Buarque em poucas estrofes sintetiza a nova realidade do bairro.

Com a verticalização iniciada nos anos 70, Roberto assistiu de perto a desmesurada chegada de escritórios, consultórios e das pequenas galerias de comércio, que impulsionaram o crescimento da população flutuante do bairro.

O golpe de misericórdia, pelo menos no seu entender, se confirmou com a destruição de ícones do bairro, entre eles um em particular, o cinema Pax, que exercia forte influência em todos segmentos etários da população do bairro e adjacências.

O Pax funcionava em horário estendido, abrindo cedo para matinês, e aos sábados, acontecia a badalada sessão da meia noite, caracterizada por estréias de filmes, que posteriormente fariam sucesso no circuito. Esse evento especial agregava cinéfilos de toda zona sul carioca.

Infelizmente, não foi só o Pax que foi ao chão durante essa febre que caracterizou a especulação imobiliária, Bruni 70, Pirajá e Ipanema, todos situados na Rua Visconde de Pirajá tiveram mesmo destino.

Hoje, no principal eixo comercial do bairro proliferam farmácias, quem sabe dando pista, de que seus envelhecidos moradores, já não gozam de uma saúde tão boa assim.

Seus edifícios residenciais, que dispensavam muros e grades, hoje usurparam parte das calçadas do bairro, ao montar cercas e um festival de câmeras que a tudo filmam, com a esfarrapada desculpa de inibir uma resiliente violência.

Roberto não sabe de onde partiu a estapafúrdia ideia de gradear as duas principais praças do bairro, retirando a integração entre o pouco que restou de verde e solo permeável. Para piorar a situação das praças, elefantes brancos foram alocados nas praças, no que deveriam ser discretos acessos a subterrânea estação do metrô.

Efetivamente não é possível discordar dos sentimentos que tanto afligem Roberto, nesses capítulos derradeiros de sua vida no bairro. E La nave va.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 27/10/2023
Código do texto: T7918131
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