AMEAÇA BOIUNA

Ameaça boiuna

No ermo sertão do Mato Grosso uma camponesa recém-chegada organizava a vida naquele lugar sem recursos ou conforto algum, ela acomodou seus dois filhos pequenos em uma bacia de alumínio acolchoada por dois travesseiros de pena, enquanto servia água e ração aos animais domésticos, coletava frutos no quintal, verduras e ovos frescos. Em seguida retornava para o barraco para estocar a colheita e verificava suas crianças antes de trancar o barraco para realizar pequenas tarefas nas proximidades da casa. Por fim ela tomava a trilha do riacho equilibrando sobre a cabeça uma grande bacia com roupas para lavar, a camponesa ensaboava as peças com sabão feito de soda caustica e vísceras de animais abatido. As roupas eram estendidas para quarar na laje de pedra por alguns minutos antes do enxague e finalmente todas a roupa esticada na cerca de arame que dividia os piquetes daquela terra. A sintonia da camponesa com o criador e com a natureza era sua poderosa arma, ela pressentia tudo desde a mais simples alteração nos sons e movimentos dos animais, no vento e nas arvores. Ali com a água até os joelhos ela trajava um vestido de chita, um lenço prendia seus longos cabelos negros, uma sandália de couro protegia seus pés e o chapeu de palha protegia sua alvíssima pele italiana.

Ela enxaguava a última peça quando recebeu uma mensagem do universo, o vento parou, os animais silenciaram por instantes, as nuvens encobriram o sol, então a camponesa sentiu o perigo como um frio em seu coração. Ela empreendeu uma desabalada carreira deixando o riacho, cruzou o roçado de milho, alcançou a horta onde empunhou um cajado de guatambu, entrou veloz pelo quintal sem despertar a atenção das galinhas e dos cães, como um assaltante a camponesa estourou a porta do barraco. Na prateleira de tabuas rústicas uma grande serpente preparava o bote para devorar os pequeninos, estavam tão distraídos na bacia que não perceberam a ronda perigosa, a camponesa estava em êxtase com o lenço pairando ao vento, seus olhos transfigurados pelo poder de mãe amorosa, ela esperou o momento certo para desferir um golpe certeiro, a boiuna enrodilhou, com a língua examinou a atmosfera, porém o bote foi interceptado por uma cajadada um palmo atrás da cabeça para anular o poder de ataque daquela poderosa serpente contrita. A boiuna não podia levantar a cabeça para atacar, então a camponesa desferia o golpe fatal para esmagar o crânio da cobra.

(Eu ainda não tinha comemorado o primeiro aniversário quando minha mãe me livrou das presas da Jiboia)