ACONTECEU NA FESTA

(Continuação de CARROSSEL)

Fazia muito tempo ou talvez nunca se tivesse visto uma festa tão grandiosa quanto a da padroeira junto com o centenário da cidade.

Veio gente de longe, parentes dos moradores e até mesmo aqueles que nunca tinham sido vistos por ali. Teve até romaria de peregrinos vindos de outros Estados. Era gente que não acabava mais.

O comércio faturou no fim de semana o que não arrecadava no ano todo. Imagens da santa e demais lembrancinhas da festa se esgotaram rapidamente, porque como foi totalmente inusitado, ninguém havia se preparado para aquele horror de gente querendo levar uma recordação do evento.

Muitos moradores abriram as portas de suas casas para abrigar parentes e mesmo gente desconhecida.

Improvisaram barracas de lona no pátio da feira para o pessoal ter onde dormir e o prefeito disponibilizou os sanitários da escola, da prefeitura e do mercado municipal para o pessoal poder se aliviar...

A praça da igreja ficou que não cabia mais ninguém com as filas de gente esperando sua vez de dar uma volta nos brinquedos. A fila para o bote nem estava tão grande, mas para a roda gigante e o carrossel dava a volta em torno do coreto onde a Filarmônica Euterpe que acompanhou a procissão, ficou tocando os dobrados mais apreciados pela população, até que a difusora entrou no ar com o programa de correio galante.

O onipresente vigia do prédio da prefeitura era temido por todos, homem esquisito, caladão, alto, magro, com a maior parte do rosto escondido atrás da barba e cabelos longos. Chapéu de aba larga, bota de cano alto e capa grossa sem cor definida, dessas que são feitas com restos de algodão de fábricas de tecidos, geralmente usadas por vigias de ambientes abertos. Diziam ser pistoleiro com mais de 30 mortes nas costas, que mantinha duas pistolas escondidas sob a capa e na bengala alta, como as que são usadas por bispos e pastores de ovelhas, que ele não largava nunca, um punhal embutido no cabo...

A roda gigante tinha menos de oito metros no ponto mais alto, mas para os habitantes que nunca tinha tirado os pés do chão, aquilo era como estar nas nuvens.

As gambiarras de lâmpadas coloridas que seriam espalhadas por toda a praça e dois dos brinquedos dependiam da eletricidade para funcionar, mas se ligasse tudo ao mesmo tempo, nada funcionaria porque a linha que trazia a força era de baixa capacidade.

Então ficou decidido que o carrossel seria movimentado pelos meninos Euzébio e Reginaldo, geladeiras e todas as lâmpadas tanto da igreja como de todas as casas seriam desligadas para se ter a iluminação da praça e o funcionamento da roda gigante, que tinha o motor bem menor que do carrossel.

Mas devido à precariedade e oscilação no fornecimento da energia, quando foi perto das nove da noite, por causa do superaquecimento, o motor da roda gigante pegou fogo, as luzes se apagaram e o mundo ficou no escuro.

Foi gritaria e corre-corre generalizados.

A roda gigante parou.

O vigia que estava sentado sozinho num dos bancos a meia altura, pulou lá de cima e caiu sobre uma mulher que estava com o filho pequeno no colo, ficando os três enredados na capa.

Aquela menina espevitada filha do bodegueiro Matias, sentada na cadeira que ficou lá em cima teve tanto medo que se urinou toda dando um banho fedorento nas pessoas que estavam nas cadeiras abaixo.

E enquanto a confusão rolava, ninguém se lembrou de retirar as pessoas do carrossel que continuou girando.

Euzébio e Reginaldo estavam considerando aquele serviço uma brincadeira e, mesmo no escuro, não pararam de acionar as manivelas, afinal tinham apostado cinquentinha para ver quem cansava primeiro.

O movimento circular por muito tempo nas cabeças de quem nunca tinha tido essa experiência provocou um dilúvio de vômitos no carrossel e nas pessoas que estavam se acotovelando para fugir da roda gigante.

CITAÇÃO

Espevitado – gente que gosta de ostentação

Euterpe – musa da música na mitologia grega, filha de Zeus e Mnemosyne.