Menina Mulher

Tímida, calma e estranha. Falar essas três palavras para qualquer um que estudou na minha escola naquele ano era sinônimo de uma pessoa: Kate Mariani. Kate era quase um enigma para mim e meus colegas. Mas não que ela fosse uma daquelas meninas-mulher misteriosa que fazia qualquer homem ficar intrigado. Ela era estranha mesmo, desconhecida. Usava saias infantis e maria-chiquinha no cabelo.

Quase não falava com ninguém e parecia ser tão envergonhada que até seu bom dia era para dentro. Kate não era boa aluna e era tão desatenta que alguns achavam que era autista. Ela não falava sobre família, dizia apenas morar com uns tios e totalmente ignorava seu passado. Dizia ter 17 anos e não trabalhava.

Lembro-me que Kate estava sempre com um bloquinho rosa e uma caneta nas mãos. Estava sempre anotando algo misteriosamente. Alguns diziam que ela era pobre e precisava estar sempre contando cada centavo que gastava. Outros diziam que era loucura da autista mesmo. Diziam muitas coisas, mas o certo é que ninguém sabia quem era aquela menina.

Kate tinha cabelos bem negros e lisos e um nariz um pouco grande. Os que mais conseguiam falar com ela diziam que ela tinha um sotaque diferente, mas ninguém sabia distinguir de onde. Também não tinham coragem de perguntar de onde vinha. Eu sempre fui muito tímido então nem me atrevia a ter mais contato com ela.

Mas me lembro de Kate ser a pessoa que menos aparecia no colégio, que menos falava, que menos fazia barulho, que menos tudo. Mas era a que mais chamava atenção. Todos comentavam dela. Aonde ela chegava era olhada, e comentavam e especulavam sobre ela. Kate nunca ligou para os olhares ou os comentários, apenas fazia anotações no bloquinho.

Uma vez, Kate estava deprimida porque não lembrava onde havia deixado o bloquinho e chegou a chorar na sala. Foi uma angústia no meio da aula de inglês. Mas aí ela finalmente desabafou e falou do bloquinho com um sotaque pesado. Nicole tirou o objeto do bolso e devolveu dizendo que ela tinha esquecido no banheiro duas horas atrás. Kate abriu um sorriso de gratidão muito comovente.

É claro que Nicole havia tentado ler alguma coisa do bloquinho, mas foi em vão. Estava tudo em italiano e ela não entendera nada, afinal só falava inglês. Tentaram então fazer um plano para roubar o bloquinho e copiar para um tradutor. Mas também não adiantou, pois quando tiveram a ideia era final do ano letivo, Junho.

O verão chegou e ninguém sabia do paradeiro daquela menina. Mas os comentários continuavam e as especulações aumentavam cada dia mais. Estavam todos curiosos pelo bloquinho. Algumas meninas armaram um plano fantástico para sequestrá-lo para traduzir. Se não fosse algo secreto seria manchete do The New York Times.

Início de Setembro. Faltava uma semana para as aulas começarem e as meninas faziam reuniões todos os dias para repassar o plano do bloquinho. Chegava a ser engraçado o esquema que haviam armado por causa de um bolo de papeis.

O primeiro dia de aula nunca foi tão esperado e finalmente chegou. Estavam todas antes das oito horas da manhã na escola esperando a dita cuja. Mas ela não apareceu.

Todos que estão no colegial sabem que a primeira semana é mais enrolação do que assunto de matéria, então ninguém vai. Principalmente alguém como Kate. A segunda semana chegou com uma expectativa imensa e uma decepção maior ainda. A menina não apareceu nenhum dia. E verificaram que o nome dela não estava na lista de chamada de nenhum professor da série dela. Ela tinha cancelado a matrícula e ninguém sabia o que havia acontecido.

Dez anos depois, eu estava lendo o The New York Times e vi um rosto conhecido logo na primeira página. Falava de um lançamento de um livro chamado: “United States Unite” (Estados Unidos, Una-se). A autora tinha um nome conhecido, Kate Mariani.

A italiana havia saído do colégio e foi morar em uma aldeia pobre na África ensinando italiano a eles. Ela estudou no nosso colégio depois que os pais morreram na Itália e ela foi morar com os tios americanos. Tinha esse nome pois seus tios eram os padrinhos e pediram que tivesse um nome Norte americano. Quase não falava inglês, mas aprendeu muito em um ano nos EUA. Pediu emancipação aos 17 anos e foi para a África. Li isso em seu livro.

O livro falava basicamente que enquanto alguns americanos riam dos outros, os africanos morriam de fome. Dizia que se os americanos, se unissem um pouco mais em prol da África melhoraria bastante a vida desse continente. Estava baseada nas idéias de Bob Marley sobre a unificação da África.

Dava exemplos de coisas que havia observado no dia-a-dia nos Estados Unidos e a carapuça serviu a mim e a outros colegas.

Agora era conhecida por apenas duas palavras: Kate Mariani!

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 26/12/2007
Reeditado em 02/04/2013
Código do texto: T792376
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