MUITA TROCA

Bete tinha 31 e José 23, discreta nunca usava mini saia ou decotes, seu padrão era calça jeans e uma camisa Hering. Aliás, neste ponto, a identidade era mútua. Trabalhavam como programadores em empresas diferentes, mas dividiam o mesmo prédio e cantina.

Ela recém separada, ainda carregava uma insegurança, mas mesmo assim, na hora do almoço, se aproximou e pediu para sentar à sua frente. Depois de troca de olhares, as primeiras palavras partiram dela. E foi o que bastou para romper aquela insuportável tarefa da quebra de gelo.

Outros almoços vieram, agora pré-agendados, ali nas cercanias do Imperial bairro de São Cristóvão onde trabalhavam.

Embora fingisse desconhecer, ela já pesquisara, com colegas de trabalho, quem era José? Aquele rapaz que cruzava de lá pra cá numa motocicleta, sempre com uma enorme mochila às costas onde despontavam os cabos de duas raquetes de tênis. Ele realmente gostava de esportes com bola, independente do tamanho e peso, jogava de sinuca a futebol, sem esquecer do tênis e do vôlei.

Ela que nunca fora chegada a este tipo de exercício, aparecia de espectadora dos jogos que rolavam no Pavilhão de São Cristóvão. José que ainda morava com os pais, tinha por hábito voltar para casa ainda suado.

A presença da Bete alterou esse hábito, agora a cervejinha passou a ser incorporada ao pós jogo. Não demorou muito e a vida dos dois passou ser a dois de segunda a segunda. Ela morava numa vaga em um apartamento em Copacabana, ele com a família no Leblon. Num primeiro momento as viagens eram a válvula de escape para tanto tesão.

José aprendeu muito com Bete, afinal ela estivera casada por quase dez anos, enquanto a experiência dele tangenciava o ridículo, ou seja, aquelas transas rápidas que não passavam por nenhum encanto preparatório, nem antes nem depois.

Agora as coisas mudaram e rolava muita troca antes, durante e depois não necessariamente nesta ordem.

Um momento de tensão se deu numa corridinha na Estrada das Paineiras, que fechada aos domingos, permitia a todos um ambiente serrano, inclusive com temperatura amena. Na volta, enquanto brincavam sob uma das muitas quedas d’água do caminho, materializou-se um indivíduo de aspecto sombrio, sugerindo que interrompessem logo o banho. José olhou o tamanho do problema, e obedeceu sem pestanejar, ela acompanhou toda movimentação sem pestanejar. Mais tarde, já na moto descendo a Estrada do Redentor ela sussurrou que o brutamonte era seu ex-marido.

A música tema deles e de muitos outros casais naquele momento era “Mania de Você”, uma bem elaborada peça da então dupla romântica Rita Lee e Roberto de Carvalho, que esbanjava sensualidade, mas que para muitos soava como uma ode a luxúria, apresentada na íntegra a seguir para apreciação do leitor:

Meu bem você me dá água na boca

Vestindo fantasias, tirando a roupa

Molhada de suor

De tanto a gente se beijar

De tanto imaginar loucuras

A gente faz amor por telepatia

No chão, no mar, na lua, na melodia

Mania de você

De tanto a gente se beijar

De tanto imaginar loucuras

Nada melhor do que não fazer nada

Só pra deitar e rolar com você

Nada melhor do que não fazer nada

Só pra deitar e rolar com você

Nada melhor do que não fazer nada

Só pra deitar…

Caramba, o ápice desse relacionamento foi se dar justamente na Ilha Grande, com sua emblemática paisagem, de natureza quase intocada, onde acamparam por uma semana, coincidência ou não, o tempo chuvoso que perdurou incessante por todos os dias contribuiu em muito para aquela semana de muita troca, praticamente aprisionados no exíguo espaço de uma simples barraca de camping, tendo como fundo musical a chuva, ora fina, ora com vento, ora torrencial.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 05/12/2023
Código do texto: T7947450
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