EM 200 ANOS NÃO DEU CERTO!

Juca de Lima e Silva, mais conhecido como Juquinha, era daquelas crianças que vivia no mundo da lua. Sonhava, independente de estar acordado ou dormindo, tinha uma facilidade enorme de se desligar de momentos irritantes, bastava uma aula monótona, ou uma conversa fora do seu espectro de interesse, e num estalar de dedos, mergulhava no seu mundo criado.

Com o peso de um sobrenome desses, o moleque não podia desonrar a estirpe, era assumidamente Caxias*, apesar de todo desligamento, conseguia cumprir horários e chegava mesmo a se destacar nas avaliações mensais da escola, e isso perdurou durante toda trajetória acadêmica.

Vale lembrar que Juquinha estudou num dos colégios públicos mais conceituados do então Distrito Federal, o Colégio Pedro II, considerado padrão na educação básica. Mesmo com tendência à esquerda, a instituição de educação dedicava generoso espaço ao culto da pátria: com hasteamento da bandeira nacional e turmas perfiladas cantando hinos tradicionais como: do Brasil, da Bandeira e o do próprio Colégio, pelo menos semanalmente.

Tudo começou a mudar, quando numa aula de história Juquinha tomou conhecimento de Dom Pedro II, o adolescente endoidou de vez. Com uma biblioteca bem montada em casa, e sob orientação familiar, em pouco tempo devorou todos os livros sobre o Segundo Reinado.

Para sua sorte, quando esse interesse floresceu, recebeu um apoio especial, pois em casa dispunha de dois professores, de história o pai, e geografia a mãe. Portanto, nem precisou recorrer a enciclopédias para tirar dúvidas, ou aprofundar algum assunto específico, bastava esperar alguma das refeições, para expor o problema, e prontamente seus pais sanavam as dúvidas, além de incorporar novas facetas sobre o tema.

Juquinha era daquelas pessoas que se emocionam logo que ouve os primeiros acordes do hino nacional, podendo de acordo com o dia e situação chegar mesmo às lágrimas.

Agora além de sonhar frequente com fatos dessa época, passou também a devanear pelo tempo, comparando situações desse auspicioso período da história brasileira, com o que vem acontecendo na atualidade, principalmente depois que esse capitão ungido como um Messias assumiu o governo, incorporando a bandeira e parte do hino nacional como slogan de governo, enquanto prega ações e princípios de um tirano de aldeia, que saudoso da ditadura militar, conseguiu transformar ministérios em sucursais de quartéis, espaço antes restrito ao setor militar da capital federal.

Rolava o ano de 2022, e Juca nos seus mais de cinquenta anos de uma efeméride de sonhos, que invariavelmente definia como o majestoso II Reinado, emblematizado na figura de Pedro II, um estadista de mão cheia, que mudou de forma definitiva os rumos da nação.

Em seu governo, conciliou o interesse de conservadores e liberais, que antes viviam às turras, numa briga de poder que não conhecia rounds, permanecendo ininterrupta e intensa.

Para amenizar os ânimos de parlamentares estipulou que a cada novo mandato, o poder se alternaria, e claro, se não se comportassem a contento, conheceriam seu lado pouco democrático.

Quanto melhor conhecia as façanhas de Pedro II, mais Juca se envergonhava das atitudes dos militares, que ali em 1889 estrearam a rotina de golpes de estado, sempre caindo no papo dos conservadores, quanta leviandade!

Juca gosta de lembrar, que a economia desse continente brasileiro à época dependia exclusivamente de uma commodity, o café, que conseguiu em poucas décadas construir a fortuna de poucos, enquanto explorava mão de obra escrava e arruinava terras do vale do Paraíba, de parte do interior mineiro e também do paulista.

A lamentar no período, também o desgaste econômico imposto pela Guerra do Paraguai, que mais tarde teve sua dívida perdoada, e ainda recebeu de mão beijada a construção da Usina de Itaipu**, certamente o melhor negócio paraguaio de todos os tempos.

Passados duzentos anos da independência, Juca tem a impressão de que alguma coisa deu errada no percurso, e tem até algumas hipóteses, mas jura que ainda não chegou o momento expor-las, sabe lá se esse capitão que tem como ídolo um sádico recordista em torturas resolve reviver o passado.

Vamos aos fatos, de lá para cá o país até que tentou largar a alcunha de republiqueta de banana, conseguiu apenas mudar do café (servido internacionalmente às pessoas), para soja (servido internacionalmente aos animais) como sua principal pauta nas exportações.

Se o objeto de comparação é guerra, no passado ela foi basicamente contra guaranis do Paraguai, agora infelizmente se dá internamente, com foco nos tradicionais povos amazônicos da floresta, e também contra os biomas, preferência para o da Amazônia, acompanhada a certa distância do Pantanal.

Se durante muito tempo ouro e diamantes expandiram o território nacional em direção ao oeste, bem ao estilo estadunidense, agora além do ilegal garimpo do ouro, outros minérios menos valiosos entraram no radar das grandes empresas, que visam expandir suas lavras em direção ao interior da Amazônia, com foco nas áreas demarcadas como territórios indígenas.

Enquanto o monarca mandou replantar a floresta da Tijuca, quando sentiu o colapso no abastecimento de água da cidade, esse capitão insubordinado reduziu ações de vigilância e incentivou queimadas nos principais biomas do país.

E por fim, causa asco a qualquer cidadão saber que boa parte dos impostos que incidem de forma abusiva sobre tudo que fazemos, servem apenas para irrigar corredores palacianos de Brasília, tornando ridículos os custos da corte do século XIX, se comparados aos incomensuráveis gastos com o entourage, que se aboletou na capital do país sugando verbas, que pelo menos em tese, reduziriam as disparidades sociais que tanta violência gera internamente.

A pergunta que Juca não quer deixar de fazer: temos mesmo o que comemorar depois de completar dois séculos de independência?

* Pessoa que cumpre com extremo escrúpulo as obrigações do seu cargo. Pessoa que exige de seus colegas e trabalhadores o cumprimento rigoroso das leis, regulamentos e determinações de serviço.

** A Usina de Itaipu foi integralmente construída pelo Brasil, mesmo assim o Paraguai tem direito a metade da energia gerada, que em sua maior parte é vendida ao Brasil.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 12/12/2023
Código do texto: T7952318
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