A mui amável D. Inácia.

Ele acordou suado e assustado, sentou-se na beirada da cama. Tremia – Não era a primeira vez que seu sono era perturbado por aquele pesadelo aterrorizante nos últimos dias; no entanto, isso em nada diminuía o pavor que sentia.

- Sou um homem feito! – Pensou.

Levantou-se, foi para a sala, ligou a TV e “jogou-se" no sofá. Ele sabia que, agora, o sono demoraria para voltar.

Como era possível? Mesmo depois de tantos anos, D. Inácia provocava-lhe pesadelos. Como aquela senhora, de aparência gentil e inocente, fora capaz de causar nele um trauma tão profundo que, só de pensar que, em breve, trabalhariam juntos, sentia calafrios percorrerem-lhe a espinha.

Há muitos anos, D. Inácia fora diretora na escola em que ele cursara o primário. Ele jamais estivera na sala dela, no entanto, dizia-se que ela possuía os mais variados instrumentos de tortura para punir os alunos que “andassem fora da linha”.

Entre as crianças, ouvia-se todo tipo de relato sobre como teriam se livrado, por pouco, de serem chicoteados, ou de levarem “reguadas" nas mãos e até mesmo de assinarem “O livro preto".

Ah! O livro preto ... Na verdade era um livro ata em que se registravam reuniões, conselhos e deliberações, mas na época ele acreditava que se algum aluno o assinasse seria expulso da escola e que nenhuma outra aceitaria matricular tal criança.

Era esse o seu pesadelo recorrente:

Ele, sentado em frente à mesa de D. Inácia, o famigerado livro preto aberto e a diretora estendendo-lhe uma caneta. Ele sempre acordava nessa parte.

Na segunda-feira, o sonho tornar-se-ia realidade, mas não assinaria sua expulsão e sim sua nomeação como professor, na mesmíssima escola em que estudara e na qual D. Inácia ainda era diretora.

...

Ela o recebeu com um sorriso no rosto e um caloroso abraço:

- Ora! O bom filho à casa torna!

- A senhora se lembra?

- Claro que sim! Você era um dos melhores da sua turma ... Só não entendo porque tinha tanto medo de mim ...

Ela levou-o até sua sala onde ofereceu-lhe uma xícara de café e um pedaço de bolo de limão. Ele não pode deixar de notar a famosa régua de madeira, mas nada de chicote. Ela deve ter percebido, porque disse:

- O chicote eu deixei guardado em casa. – E riu-se

- Essas crianças inventam cada coisa. – Continuou. – Provavelmente quando contei para algum estudante sobre como era no meu tempo de aluna ... Devem ter interpretado como uma ameaça. - Você não imagina quantos pais já vieram aqui por causa disso...

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Esta é uma obra com pessoas e locais fictícios, qualquer semelhança com eventos reais é mera coincidência.