NOSSO CINEMA

Estávamos na década de sessenta, e a faixa de idade da turminha não variava muito, todos entre 12 a 14 anos, nosso bairro era próximo ao centro da cidade, mas naquela época parecia muito longe, um dos passatempos preferido da molecada era assistir o seriado “Capitão 7” no canal Sete, o problema era que ninguém tinha aparelho de televisão, então o negócio era assistir no bar do “Seo” Zezinho, mas ele não gostava muito, porque os moleques não compravam nada, a turma também ia no Cine Ideal as terças-feira assistir outro seriado, lá se fizesse bagunça durante o filme o lanterninha tirava os moleques, e aplicava uma suspensão, tipo ficar impedido de entrar no cinema por um período (normalmente de 1 a 3 semanas). Uma vez saiu a turma toda no meio do filme, eu no meio.

Entre os nossos amigos havia o Benedito, que a turma chamava de Dito, na verdade ele estava mais para um conhecido, do que participante da nossa turma; o Dito não jogava bola, não participava das nossas brincadeiras diárias na esquininha (esquina da rua Prudente de Morais com a Benjamin Constant), na verdade nem sabíamos direito qual a casa que o Dito morava, mas tinha uma coisa que ele era craque: desenho ─ ele era um artista. Certo dia numa reunião das lideranças do nosso grupo, eu no meio, alguém falou que o Dito era muito inteligente, e que sabia como fazer um filme de cinema caseiro, convocamos o dito cujo (não aguentei o trocadilho) para uma reunião, e ele confirmou, e disse como seria. O enredo do filme seria dele, e também faria a sequência, desenhada em rolo de papel manteiga, conhecido por papel vegetal, com tinta nanquim. Material necessário, além do rolinho de papel manteiga, uma caixa de sapato, uma lente, uma lâmpada com o bocal e fio para ligar na tomada, dois suportes para a fita do filme. Na parte da frente da caixa de sapato haveria uma abertura em círculo, onde era colocado a lente de aumento, no meio da caixa uma abertura dos dois lados, onde o rolo do filme rodaria de um lado para outro, na parte de traz outra abertura em formato de círculo onde seria colocado o bocal da lâmpada a qual seria ligada na tomada 110 volts. A luz da lâmpada iluminava o rolo de desenho que era refletido na lente de aumento e projetava os desenhos numa parede branca. Assim, o Dito era o professor Pardal, o Diretor, o projetista, era o tudo, a nós cabia encontrar um local perfeito, com espaço para a molecada sentar e assistir o filme. Mas, para entrar no salãozinho e assistir o filme, tinha que pagar ingresso, afinal tínhamos que cobrir as despesas de produção, e ainda sobrar uns trocados para a divisão entre aqueles que tiveram a ideia, eu no meio, e o artista que era o Dito. As sessões passaram a ser bem divulgadas entre a molecada, até assistentes de outros bairros compareciam para os filmes sessão livre. Com o tempo alguém teve a ideia de fazer filmes mais picantes, tipo aqueles proibidos, filme pornô mesmo, consultamos o diretor Dito, ele concordou e passou a produzir filmes desse naipe. Claro o ingresso aumentou de preço, a frequência também, então, aumentamos para duas sessões, notamos que caberia um serviço de bar, para quem esperava a próxima sessão, era pirulito, limonada, paçoquinha, lucro certo. Tudo corria bem, até o dia que o pai do menino que cedia um quartinho para as sessões cinematográficas, resolveu aparecer sem prévio aviso, justo no dia da sessão pornô. A nossa indústria cinematográfica terminou naquele fatídico dia, a sala de projeção foi interditada, o amigo levou uns pescoções do pai, e la se foi a caixa de sapato, lente, lâmpada, rolo de filmes, tudo confiscado pela censura, sofremos grande prejuízo, o fato que inviabilizou a vontade de reabrirmos o cine em outro lugar, mesmo porque todos os pais e mamães ficaram sabendo do ocorrido.

Foi bom e lucrativo enquanto durou. O Dito, Produtor, Diretor, depois disso sumiu do mapa.

Início 07/10/23 - Término22/11/23