DANGUE

Corria o ano de 1972, na pequena cidade de Santa Rita do Sapucaí no Sul de Minas, onde cursava engenharia; não tinha nenhum lazer no local, menos mal que estávamos ali para estudar, de qualquer forma dividíamos nosso tempo entre aulas, sacanagem, baralhos, e porres.

Eu morava em um alojamento onde os preços eram os mais “em conta” do local.

As refeições, eu as tomava em uma pensão, das mais baratas do local, da “mulher da unha”, na antiga Rua dos Marques.

Era conhecida como mulher da unha, porque a dona da pensão, tinha uma unha inflamada, para aliviar as dores, vinha sempre com o dedo dentro da travessa de feijão, o calor da comida causava um certo alivio ao tal dedão.

Mas fazer o que? Era o local mais barato da cidade, talvez pelo exotismo deste serviço diferenciado.

E pensar que alguns colegas faziam suas refeições no “Bife de Ouro”, que éramos proibidos até de passar em frente.

Dali vinha um cheiro de bife de filé, que poderia nos causar algumas doenças, dessas ditas “lombriga desconfiada”.

Por essas e outras é que acredito que tenha me tornado um glutão, tamanho as vontades que passei no passado.

Posso dizer que a situação era de quase penúria, umas duas calças, umas camisetas, algum short, um par de sandálias havaianas, e um par de sapatos, já na terceira meia sola.

Em minha casa éramos 7 irmãos, então era praxe a tal herança de roupa do irmão mais velho para o seguinte.

No meu caso era um pouco complicado, eu sou o terceiro, mas cresci mais que os outros, então as heranças passavam direto ao meu irmão menor.

Dos primos ricos então não herdava nada, pois esses eram ainda menores em tamanho.

Tentei por vezes com meu pé 43, calçar os 38 e 39 que apareciam em casa, mas confesso, por mais boa vontade, não dava.

A dureza era tanta, que meus bolsos poderiam recusar dinheiro, por considera-los corpo estranho.

Para piorar as coisas, aos domingos a pensão só funcionava para almoço, então no meu caso, nesse dia seria somente uma refeição.

Claro que nesse caso o almoço era caprichado, não em qualidade, mas em quantidade.

Menos mal, que domingo sempre tem aquela macarronada, com os pratos tipo montanha, como vários novelos de lã, cobertos de molho de tomate.

Tinha que segurar a fome até o café da manha da segunda, e nessa idade a fome é uma inimiga cruel que não dá trégua.

Muito bem, vamos ao que interessa.

Depois do tal almoço de mais ou menos 1 quilo de macarrão, estou voltando para o alojamento para uma bela “siesta”, no caminho, passamos diante de um parque de diversões que chegara a cidade naquele final de semana.

Tinha de tudo naquele parque, roda gigante, carrinhos de bate-bate, joguinhos mil, e um brinquedo que me encheu os olhos, o “DANGUE”.

Dangue pra quem não conhece, era um brinquedo grande, com uma base central giratória, circundada por cadeirinhas suspensas por correntes.

As pessoas ali se sentam, e a coisa começa a rodar em velocidade crescente, chega a uma velocidade tal, que as cadeirinhas com seus ocupantes ficam quase na horizontal..

Ficamos ali olhando os caras que quando rodavam , largavam as mãos como se estivessem a voar.

Eu babando de vontade de ir naquele brinquedo tão radical, mas o bolso estava como sempre, isento de qualquer recurso.

Nisso aparece o Matuck, um colega rico, que como premio do vestibular ganhou um dodge charger RT, sonho de qualquer marmanjo endinheirado.

-E ai cara, vamos curtir?

-Não dá, to duro,só posso ver.

-Porra nenhuma, amigo meu vem comigo, qual vai ser?

A resposta veio imediata.

-No dangue..

E lá fui eu feliz da vida sentir as sensações imaginadas da cerquinha que divide o publico do brinquedo.

Sentei me na tal cadeirinha, imaginando voar com as mãos soltas e sentir a adrenalina, que na época conhecíamos somente como “cagaço”.

Todos a postos e a coisa começou a rodar, no inicio bem lento, e na

sequência, mais e mais velocidade, em poucos segundos já tinha a sensação de estar pairando no ar em movimentos circulares.

Parecia um sonho, mas...lembram-se que antes do parquinho eu vinha de um almoço de retirante?

Pois é, a medida que voava em círculos, o macarrão lá dentro começava a se agitar e dar um sinal, que a escolha talvez tivesse sido inadequada.

O cérebro insistia em mandar o estomago se acalmar, mas os internos não queriam obedecer as ordens,....e a velocidade dos movimentos circulares não contrariavam as leis da natureza.

Juro que foi a contragosto, mas não deu, finalmente a boca se abriu e foi macarrão por todo lado.

Como o brinquedo girava em alta velocidade, a distancia dos arremessos eram quase olímpicos, foi um corre corre danado, era gente puxando criança, senhoras caindo tentando fugir do bombardeio que atingia 360 graus e não parava.

Foi uma tarde a esquecer para a maioria dos atingidos pelos fios voantes... Não houve quem estava na tal cerquinha que não foi premiado com pelo menos um pedaço de fio de “macarrão Ferrini numero 2”.

Lune Verg
Enviado por Lune Verg em 08/01/2008
Reeditado em 08/01/2008
Código do texto: T808896