Maria, cigarros e insónia
Gosto de conversar com Maria, nas noites de insónia, fumando meus cigarros, onde quase sempre, o tema abrangido é o passado, quase sempre recorrente...
Deito-me na cama com ela , e abraçando-a, resolvo avivar minhas memórias,os idos tempos do verão de 1990, na praia de Ofir, no norte de Portugal.
I
Naquele abençoado verão, tinha ganho um campeonato de surf local, organizado pelos veraneantes, batendo na final o melhor e mais cotado surfista do Ofir.
Para espanto e surpresa não só meu, mas de todos os competidores, pois seu talento era notório!
Com uma estratégia irretocável, de apanhar as ondas menores
e que abriam mais até a areia, consegui desferir mais manobras nas ondas, e tinha ganho gloriosamente do ídolo local, nas minúsculas ondas presentes, daquele dia quente e ensolarado de agosto.
Á partir então daquele dia, o meu verão mudou...
Quase sempre era interpolado por amigos e desconhecidos, velhos e novos, naquela pequena vila portuguesa, onde eu passei a ser o centro e alvo constante das atenções.
Éramos jovens na faixa dos 18 anos, e eu irradiava alegria e orgulho do feito, mas minha natureza tímida já se ressentia do assédio ininterrupto.
II
Numa noite memorável daquele idílico verão, sob a presença do luar nas dunas do Ofir, a fogueira crepitava, em volta vários jovens veraneantes, bebericando, e cantarolando ao som dos acordes de um violão, num ambiente descontraído,alegre e jovial.
O cenário era propício para a paquera, e eu observava Suzana ao longe, que volta e meia naquelas férias, me olhava de forma diferente, desde que ganhei o tal campeonato.
Sempre achei ela bem parecida comigo, por sua natureza recatada e introvertida, mas seus olhares fortuitos jamais me deixavam indiferente.
Entre risos gerais, cânticos e piadas em volta da fogueira, notava de sobrolho o seu silêncio encabulado. Via sorrateiramente que ela me observava, e tinha a certeza que estava pensando em mim.
Não sabia como me aproximar dela, bolava mil e uma estratégias em minha mente, mas todas dissuadidas pela minha timidez.
Até que no meio daquela fogueira, nossos olhares enfim se cruzaram!
Olhava então, naquele momento sublime, bem fundo na alma dela, olho no olho,bem pregados.
E ela do outro lado fazia o mesmo, ambos totalmente absortos.
Nossos olhares se mantiveram, por umas boas dezenas de segundos que pareciam intermináveis, e ela esboça um sorriso tímido de alegria, ao que eu retribuo, com o mesmo gesto.
Meu coração então, já no aperto, não aguentava mais aquela tortura.
Eu à queria porque queria, e tentava me aproximar dela. Mas não tinha jeito. Eu estava nervoso e não teria iniciativa, e nem uma abordagem plausível em mente.
III
Triste, após uns minutos resolvo sair da roda. Pego numa carteira de cigarros e num garrafão de vinho, me levanto sem sequer olhá-la e abandono o local.
Caminho sorrateiramente entre os demais, e em breve já estava na penumbra da noite, rumo a duna mais alta, bem distante, onde pudesse acalmar meu coração e me refazer daquele momento.
Sempre fiz e a faço isso. Até hoje saio sorrateiro de uma roda, quando se faz necessário, para me refazer do que quer que seja.
Subo então até a maior duna, para me prostrar diante do mar, onde a lua estendia o seu véu iluminado no oceano, e a brisa me perfumava, com seu cheiro intenso de maresia.
Não poderia estar num lugar mais apropriado naquele momento!
O mar sempre me acalmou, e aquela noite estava linda demais para ser desperdiçada numa roda de jovens alegres e embriagados.
Me sento de cócoras e acendo um cigarro, dou um firme gole no garrafão de vinho tinto barato, e vou pensando na Suzana.
Num misto de angústia e prazer, de ver aquela beleza de mar sem fim, vou tentando de certa forma ofuscar de minha mente os pensamentos daquela bela mulher.
Estranho caleidoscópio de sensações vividas, difíceis de relatar agora.
IV
Já meio ébrio e mais calmo, vejo um vulto alto e esguio se aproximando na base da duna, e penso para comigo:
- Acabou meu sossego!
Ao se aproximar mais, vejo a maneira delicada do andar, os passos flutuantes, subindo calmamente a duna.
E cada vez mais ficava mais e mais claro e visível!
ERA A SUZANA!
Seus cabelos compridos dançavam junto com o vento, e sua face cada vez mais nítida iluminada pelo belo luar!
Tremi!
Confesso que tremi quando ela me pede:
-Luis posso sentar aqui com você!
Claro Suzana, respondi! Foi bom você ter chegado. Já estava me sentindo meio sozinho aqui.
Estendo-lhe a garrafa de vinho e ela dá um vigoroso gole, enquanto eu observava o oceano, pedindo uma luz de inspiração à lua, espelhada naquela vastidão sem fim...
Tiro um cigarro e acendo, e ela também me pede um. Sirvo-lhe do maço e estendo-lhe o isqueiro acesso. O vento soprava sem dó, e apagava a chama. Abro então a palma de minha mão, e dou-lhe o isqueiro, para que ela tente sozinha.
Ela estava nervosa e não conseguia acender. Vendo-a assim naquele estado, tiro-lhe o cigarro de sua boca, e estendo-lhe o meu já acesso!
Ela aceitou meio encabulada, quando se apercebeu que eu à via nervosa, e dá umas tragadas no cigarro.Peço-lhe de volta o cigarro, para dar um breve trago, quando ela inesperadamente, apaga-o na areia.
Observo perplexo em sua direção sua atitude, sem reação, e nossos olhares voltaram a se cruzar, como na fogueira!
Olho no olho firme de novo, mas desta vez cara-à-cara, fitava seu rosto e os seus cabelos, voando ao sabor do vento.
Nossos olhares não desgrudavam um só segundo, enquanto via seus olhos grudados, fixados incansavelmente em minha boca.
E nós instintivamente, e totalmente enlevados fomos nos aproximando...
Nem queria acreditar quando meus lábios tocaram os dela, e sentia finalmente sua textura quente e macia.
Foi um beijo inicialmente tímido, os lábios se tocando, se estudando, e não demorou muito para que se tornasse voluptuoso!
Quando sentimos por fim, a textura completa de nossos lábios, abrimos cada vez mais a boca, para que nossas línguas pudessem se encontrar.
E QUE BEIJO!
As línguas, frenéticas dançavam numa sintonia que jamais esperaria daquela mulher, e acho que ela pensou o mesmo!
As pontas das duas línguas, ora se encontravam, ora se perdiam, na dança das sensações, e do prazer.
Foi o meu primeiro beijo verdadeiro, e um dos mais intensos que jamais tive!
Que sintonia! Que avassalador beijo delirante! Que momento mágico! Num cenário mais que perfeito!
Por longos minutos nos beijamos repetidas vezes, e nos abraçávamos, observando o mar sem fim, ornamentados pelo omnipresente luar!
V
E como tudo tem um fim, vejo Patrícia, subindo as dunas chamando pela Suzana, para à levar a casa.
Ela no dia seguinte estaria partindo de manha cedo, de volta para casa, na cidade do Porto.
Partiu como chegou, de repente, como num sonho, para nunca mais voltar à vê-la até hoje...
VI
Aperto Maria em meus braços, bem forte em minha cama, envolto em lágrimas, e dou-lhe um beijo em sua cabeça, sob seu olhar desaprovador.
E ela em indiferença total, solta um longo e estridente miado, e salta para o chão, e passa por sobre um buraco da persiana da varanda, para nunca mais voltar a vê-la também nessa noite...
Corri para a janela, com o rosto ainda molhado. Mas não havia no céu luar algum...