Ana Paula e seu caminhoneiro

Quando Ana Paula acordou, o sol já ia alto. Deve ser umas 11,0 horas, pensou apalpando a barriga que estava pedindo comida. Havia dormido sem jantar, e embora a sua juventude pedisse um café reforçado, sabia que muito provavelmente nada teria para comer. Levantou-se e seguiu direto para a geladeira que servia de divisória entre a sala e a cozinha. Abriu a porta e deu uma olhada desanimada. Nada havia que pudesse servir para forrar o estômago.

Voltou para a cama, sentou-se e tentou ordenar as suas idéias. Estava sozinha em casa, sua mãe havia saído cedo para o trabalho, e o João, para a sua sorte, nem sinal dele.

- Graças a Deus! Pensou.

De repente teve uma idéia. Era isto. Ia fugir de casa. Quando a mãe voltasse para casa no final do dia, ela estaria longe, muito longe.

Rapidamente levantou-se pegou uma sacola, enfiou as poucas roupas que possuía; um pente para escovar o cabelo e um espelho de bolso, calçou a sandália e saiu apressadamente de casa.

Caminhou por cerca de uma hora sem olhar para trás, e sem pensar para onde ia. O objetivo era se afastar de casa o mais que pudesse, mas a essa altura a fome começava a falar mais alto. Precisava arranjar algo para comer, e ela já estava praticamente fora da cidade.

Parou e pensou um pouco. Para onde vou?

Resolveu seguir até o posto de gasolina que havia na saída da cidade. Ana Paula conhecia o posto. Já tinha ido lá algumas vezes com sua vizinha, a Zefa, que fazia programa por lá duas ou três noites por semana.

De dia, o posto lhe pareceu bem diferente. Sem as luzes coloridas, e sem o som de boate, aquele posto lhe pareceu estranho. No restaurante, muita gente almoçando, muito vai e vem, e o cheiro de carne assada praticamente feria seu estômago. Andou displicentemente pelo posto sem poder tirar os olhos do interior do restaurante. Teve vontade de entrar, mas sem um centavo no bolso seria expulsa imediatamente, pensou, e além do mais alguns funcionários do posto poderiam reconhecê-la. Ficou na porta espiando. Várias pessoas estavam espalhadas por várias mesas, muita comida nos pratos e a sua fome doía. Doía. Era uma dor fina difícil de descrever, que começou aos poucos e foi aumentando devagar. Agora já estava corroendo seu estômago, estava se tornando insuportável. Era a dor da fome.

Ana Paula fixou o seu olhar num rapaz que almoçava sozinho. Era o mais próximo da porta, e parecia feliz. Comia segurando uma coxa de galinha na mão esquerda, enquanto com a direita manejava habilmente uma colher. De vez em quando levantava o rosto, e balançava a cabeça para tirar o cabelo dos olhos, mas com as duas mãos ocupada e suja de comida nada poderia fazer para impedir o cabelo que insistia em cair sobre os olhos. Ana Paula ficou aflita ao perceber que a comida estava desaparecendo rapidamente garganta abaixo e que ela precisava fazer alguma coisa.

- Moço, se sobrar alguma comida o senhor me dá?

O moço continuou a comer, sem parecer ter ouvido. Nem sequer levantou os olhos. – Moço, se sobrar alguma comida o senhor me dá? Repetiu.

O moço levantou os olhos. Ele olhou nos seus olhos, seus cabelos, seu corpo, os pés na sandália. Pensou um pouco. Para Ana Paula pareceu um século.

- Tá cum fome? Perguntou.

- Tô, desde ontem que não como nada. Disse sinceramente.

O moço parou pensativo, e depois como que tomando uma decisão, falou:

- Vem cá. Senta aqui.

Ana Paula não podia acreditar no que estava acontecendo. Aquele homem estava dizendo que podia entrar e se sentar na frente dele para comer daquela comida. Olhou para todos os lados para ver se nenhum garçom estava chegando para lhe impedir, e apesar de acanhada se aproximou da mesa sem perda de tempo.

- Posso mesmo me sentar aí?

O moço fez que sim com a cabeça, no mesmo momento em que empurrava em sua direção um prato com arroz, feijão e carne assada.

- Tome, disse dando-lhe a colher que ele mesmo usava.

Não conseguiu pensar em mais nada. Pegou a colher da mão do homem, e se atirou sobre a comida. Estava soberba, há muito tempo não comia uma comida assim tão gostosa. Carne macia, arroz e feijão tropeiro temperado com toucinho, pedaços de lingüiça. Comeu tudo num só fôlego.

O homem perguntou algumas coisas que Ana Paula respondeu mecanicamente sem prestar atenção. Ela tinha então onze anos incompletos, e o seu corpinho começava a se modificar. Os seios ainda pequenos, começavam a ganhar forma e seus dois biquinhos marcavam a camiseta surrada e sem manga em que ela se abrigava. O short que usava, estava apertado ressaltando o seu quadril que nos últimos dias estava se avolumando, seu corpo estava se transformando para dentro de pouco tempo se tornar uma mulher. Só o seu cabelo emaranhado, é que ainda continuava o mesmo.

O homem examinava a garota enquanto ela comia, apesar dos cabelos curtos e despenteados, e da roupa surrada, ela estava limpa. Diferentemente das garotas de rua que costumava ver por aí pedindo uns trocados para cheirar cola, esta parecia limpa e asseada. Percebeu que os peitinhos ainda não haviam crescido de todo, mas já havia um pequeno volume perceptível debaixo da camiseta, sua pele brilhava e apesar de magra tinha um traseiro roliço e atraente.

– Os pelos nem devem ter nascido ainda, pensou. Observou as suas pernas e viu que havia algumas marcas de antigos ferimentos nos joelhos e na altura da canela, mas daí para cima a pele parecia mais clara, mais macia, sedosa e sem pelos. Entre a camiseta pequena e o short aparecia uma cinturinha fina e uma barriguinha chata com um umbigo pequeno e delicado que subia e descia acompanhando o ritmo da sua respiração.

Antonio sempre almoçava naquela churrascaria. Nas suas viagens praticamente quinzenais, sempre abastecia a sua carreta naquele posto. Programava o horário da saída para chegar naquele posto sempre no horário do almoço ou do jantar. Aquele posto lhe agradava muito. Tinha bons chuveiros no sanitário que estava sempre limpo e sem mau cheiro. A comida era boa e farta, e o preço era até mais barato que em vários outros em que era obrigado a freqüentar. Tinha uma boa área de estacionamento, bem sombreado durante o dia e bem iluminado durante a noite. Além disso, o posto tinha um vigia que passava a noite toda acordado para dar segurança ao lugar. Vários carreteiros costumavam pernoitar ali, aproveitando o bom estacionamento e a segurança do lugar. Era só encostar o carro e tomar um bom banho para tirar o suor e a poeira de um dia de viagem sob o sol tropical. Podia comer na churrascaria do posto ou preparar sua própria refeição debaixo da sua carreta. Depois era dar uma voltinha para esticar as pernas, fumar um cigarrinho, e escolher entre ir dormir ou se divertir um pouco na área reservada da churrascaria que depois das dez horas se transformava numa mini-boate.

Era sempre neste horário que apareciam as “garotas”. Caminhavam desfilando entre as várias carretas estacionadas esperando serem escolhidas pelos carreteiros, e finalmente aquelas que não arranjavam nenhum freguês se dirigiam para a mini-boate onde esperavam encontrar alguém interessado.

Antonio praticamente já conhecia todas elas. Algumas eram bem jovens, outras até bem veteranas. Ele preferia as novas, cheirando a leite, como costumava dizer. Sempre escolhia a que lhe parecia a mais nova. Nestas horas a boléia do seu carro se transformava num hotel cinco estrelas. Geralmente ele ficava com elas bem pouco tempo, pois preferia dormir sozinho, e acordava bem cedo para seguir viagem. Somente uma vez ficara com uma mulher a noite toda. Ela era linda, quase uma criança. E fizeram de tudo e em todas as posições e quando cansou e não conseguiu mais continuar, pediu para ela dormir com ele, e de manhã quando acordou descansado, repetiu tudo de novo, e partira exausto, mas sereno, com o seu fogo esgotado.

- Esta garota nunca andou por aqui, pensou. Senão ele se lembraria. Além do mais, é bem novinha. Está realmente cheirando a leite fresco. Olhou para o relógio e viu que ainda era pouco mais de uma da tarde, se conseguisse convencer a menina a viajar com ele, teria a tarde toda para se divertir bolinando a garota. Antonio sabia que as meninas que apareciam à noite eram diferentes das que apareciam de dia. As da noite só queriam um pouco de dinheiro, geralmente tinham filhos para criar, e diziam que os pais nem sabiam das suas atividades noturnas, que era o único modo de conseguir o leite das crianças. Por isso elas não queriam ficar a noite toda, preferindo voltar para casa assim que conseguia algum dinheiro. Já as que apareciam de dia queriam principalmente aventura. Queriam viajar conhecer lugares novos. Quando se agradavam do caminhão ou do caminhoneiro, topavam qualquer parada. Antonio conhecia várias histórias de companheiros de estrada que viajaram o Brasil inteiro desfrutando dessas garotas.

- Terminou? Perguntou, vendo o prato vazio.

- Quer beber alguma coisa?

- Não senhor, respondeu.

Só depois que o prato ficou vazio, Ana Paula olhou de fato para o moço da mesa. Era um rapaz alto e forte. Tinha braços grossos e musculosos, camisa aberta no peito mostrando os pelos abundantes e negros contrastando com sua pele branca. Deveria ter uns trinta anos, ou talvez quarenta. Seu sorriso tranquilo lembrava vagamente um vizinho que costumava lhe levar balas quando estava sozinha em casa. Ele era muito bom, e gostava quando ele lhe trazia doces. Em toda a sua vida fora ele a única pessoa que lhe tratara com carinho e lhe dera alguma coisa. Por isso não se importara quando ele colocava as mãos por baixo da sua roupa e procurava alisar as partes mais íntimas. Só doera um pouco, uma vez, quando ele forçara os dedos entre as suas pernas... Pena que um dia a mamãe chegou de repente e ao vê-los juntos ficou furiosa. Ele desapareceu de vez e ela nunca mais ganhou doce ou balas... Já nem se lembrava direito do rosto dele.

Não compreendera porque a mãe ficara tão furiosa, afinal, ela própria ficava com estas vadiagens com o João e se via que gostava disso. E de manhã depois que mãe saia para o trabalho, o João queria fazer o mesmo com ela, só que ela não gostava, não com o João, ele era violento, batia nela e ele enfiava aquele troço com tanta força que ela se sentia toda rasgada e ficava dolorida por vários dias. O João ameaçava, e dizia que se o contrariasse ele mataria qualquer um. Nestas ocasiões Ana Paula chorava de dor, chorava de medo e chorava de raiva.

Ana Paula sabia que o moço era caminhoneiro, e se ele lhe dera de comer, era capaz de lhe dar uma carona. Olhou bem nos seus olhos e viu que eram olhos doces, diferentes dos olhos de João.