Roda Gigante

Aos 15 anos todo garoto passa por uma boa transformação, são uns pêlos que disputam em quantidade com as espinhas; são aquelas meninas que odiávamos há pouco, que agora nos chamam atenção, com suas protuberâncias peitorais, e seus jeitos dengosos de nos tratar.

Começamos a entender que elas podem ser mais interessantes que as brincadeiras de rua com os amigos.

Mas tem um problema, fomos até agora inimigos, e por alguma razão agora queremos nos aproximar.

Mas por onde começar?

O que fazer?

E como?

Bem, esse dilema tão grande, hoje nos faz parecer que éramos uns idiotas.

Mas tenho um filho adolescente e vejo que apesar das tecnologias, e demais informações, o dilema permanece igual.

O primeiro degrau é sempre o primeiro degrau, difícil sempre.

Estou fazendo essas considerações, envolto em lembranças de casos catastróficos tempos atrás, e humorísticos hoje.

Estava eu nessa época romântica e misteriosa às voltas com o desafio de trocar uns amassos com uma garota, linda, de olhos verdes e pele de um marrom escuro, aquela cor que perseguíamos em horas intermináveis de sol escaldante nas piscinas e rios.

Ela por natureza já tinha esta cor, resultado da miscigenação de raças do nosso país.

Essa menina era de outra cidade, mas estava em férias no meu espaço, e era uma questão de honra disputar e ganhar sua atenção.

De certa forma, isso dava um especial status ao conquistador, perante os amigos e as outras garotas conterrâneas.

A paquera demorou mais ou menos uma semana com troca de olhares furtivos, risinhos, e troca de bilhetes e mensagens através dos amigos e parentes.

O tesão a cada dia aumentava mais, a possibilidade de pegar na mão e talvez, se ela fosse mais atirada, trocar umas caricias entre beijos cinematográficos e ardentes.

De qualquer forma seria novidade pra mim, e pra ela, quem sabe?

Esta dúvida induzia a mais expectativa e ansiedade.

A cada saída pra pracinha, grande escovação de dentes e bolsos cheios de balas de menta, não poderia haver falha.

Finalmente o encontro foi marcado, era no parque de diversões e iríamos dividir uma cadeirinha da roda gigante.

Quem sabe lá no alto, ela simule medo, então pego na mão, de repente posso até aconchega-la, com a outra mão no ombro, vai ser o céu.

Hora marcada, os dois se encontram, sem graça, sem muitas palavras, sem ao menos conseguir olhar olho no olho.

Ingressos na mão, a caminho da grande atração, a roda gigante.

Eu, trajando a minha melhor roupa; uma calça saint-tropê, de boca de sino, sapato de franjinhas, tipo mocassin, sem meias.

A camisa de listas verticais coloridas, o cabelo estilo Ronnie Von, comprido e longo, meio sobre os olhos, com um pouco de laquê, senão não parava, tudo como convinha na época ao estilo jovem guarda, banho demorado, cheiro inebriante de sabonete Palmolive, desodorante avanço e ainda meio litro de “Lancaster”, um verdadeiro arraso.

Ela meu Deus, estava inacreditavelmente linda, com uma mini saia, escura, por sobre uma blusa bem solta, os olhos verdes realçados por uma pesada maquiagem mais clara, em contraste com a pele morena apesar da base de pó de arroz.

Boca bem vermelha de batom, e aqueles cílios durinhos do tal rímel, passado com uma escovinha e as sobrancelhas reforçadas por lápis. Lembrava-me a Elizabeth Taylor em Cleópatra, só que mais morena, bem mais morena.

O cabelo estava armado, em um penteado da época, que mais parecia um ninho, bem alto...muito chique.

Pelo jeito, deve ter perdido metade da tarde, somente no cabelo.

Naquele tempo, não tinha a tal chapinha, então o cabelo era passado a ferro, além da indefectível touca de meia para dormir.

Muito bem, depois deste esforço hercúleo de me lembrar desses detalhes, vamos aos fatos.

Chegada nossa vez na fila, sentamo-nos na tal cadeirinha da roda gigante e esta começou sua subida, na mesma proporção do ritmo cardíaco deste tarado de plantão.

Quando iniciamos a segunda volta, um clarão no céu e um estalo fez com que a luz apagasse imediatamente. Pensei: é agora.

Ela ficará com medo e eu vou ampará-la e tirar minha casquinha de maneira heróica.

Porém, quase que simultaneamente despencou uma chuva daquelas, de verão, muito forte.

Os homens do parque se esforçavam para retirar as pessoas da tal roda gigante, de modo manual, o que demorava mais tempo, e nós estávamos por assim dizer no topo, quando a chuva chegou.

Não tinha jeito, chegaríamos encharcados lá embaixo.

O duro não foi a chuva, foi o estrago que a água fez nas produções dos dois pombinhos.

Meu cabelo ficou escorrido, apesar do laquê, e a camisa molhada revelava à donzela, a silhueta quase esquelética do Dom Juan.

Mas nela o estrago foi bem maior, à medida que a água escorria em seu rosto, as manchas daquela maquiagem escorriam sobre a blusa branca, deixando sua face parecendo uma vela de macumba derretida, um horror.

O cabelo, meu Deus, onde foi parar o tal ninho todo penteado?

A chuva revelava um amontoado de pixaim, que quanto mais água caia, mais ele se armava, parecia o Tony Tornado, em seus melhores momentos.

Quando chegamos em posição de sair daquela coisa, um olhou para o outro, entre assustado e desapontado, e sem nenhum comentário fomos cada um para o seu lado, sem nem olhar para trás.

Não preciso dizer que este trauma me perseguiu por um bom tempo, e somente foi superado graças às publicações do Carlos Zéfiro, e a coleção de Ele e Ela, do tarado do Mauro do açougue.

A moça , essa simplesmente sumiu, voltou pra sua cidade sem me dar um só beijinho.

Lune Verg
Enviado por Lune Verg em 10/01/2008
Código do texto: T810650