TESTEMUNHA BOA “PRA CACHORRO”

Carpina é uma pequena cidade que fica a cerca de 50 km do Recife, e este caso aconteceu em 1999, quando eu exercia um mandato de Juiz Classista, na então Junta de Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho naquela cidade. As 8:30 hs da manhã fiz o pregão, chamando a Reclamante, Sra. Maria das Graças, que na qualidade de empregada doméstica sentia-se injustiçada e pleiteava direitos que entendia serem legítimos, contra a sua patroa Sra. Clotildes, que entrou em seguida com seu advogado, na qualidade de Reclamada.

Iniciada a audiência de instrução, a Dra. Dione, que era a Juíza presidente da época, pessoa extremamente correta, muito rígida no exercício de sua função pública, passou a ouvir o relato da reclamante, que manifestou suas queixas em relação a sua ex-patroa, sendo tudo anotado pelo digitador.

Em seguida, foi chamada a única testemunha da Reclamante: uma senhora gorda, pele branca, face vermelha, olhos pequenos e assustados, óculos de grau tão elevado, que em determinadas posições que se olhava para ela, pareciam esbugalhados, prontos a saltar do globo ocular.

Os seus lábios eram finos, mais parecia um traçado de uma meia lua para cima, lembrava a boca do “ Coringa” personagem desafeto do “Batman”, dando impressão que ela estava sempre rindo; exibia também, um antiquado penteado, que mais parecia um cuscuz, confeccionado com o longo cabelo ondulado e mal tratado, adornado com uma fita vermelha. Percebia-se que a referida senhora tinha pouca instrução e estava um pouco nervosa e incomodada com aquela situação, transpirando muito.

Depois de qualificada e compromissada a testemunha na forma da lei, passou então a ser interrogada pela Juíza, que lhe fez a primeira pergunta:

-A senhora conhece a Dona Clotildes aqui presente? A testemunha lhe respondeu:

- Não senhora, eu nunca vi esta “mulé”! Prosseguindo a Juíza lhe perguntou então:

- A senhora trabalhou ou trabalha no mesmo prédio onde a Reclamante trabalhou?

- Não senhora, eu não sei nem o endereço que ela trabalhava! Respondeu a testemunha.

– Ora, indagou a Juíza, como é que a senhora quer ser testemunha se não sabe de nada!

- Eu só sei a verdade doutora! Responde a testemunha.

- E qual é a verdade que a senhora sabe ?

– Eu sei que a coitadinha da “Gracinha” começava a trabalhar muito cedo, por volta das 5:00 hs da manhã!

- Como é que a senhora sabe disso ?

- É que toda vez que ela passava, meu cachorro Rex latia muito, então eu corria para ver porque ele estava latindo, e via Gracinha passando, e até lhe perguntava:

- Já vai trabalhar tão cedo ? Ela então respondia:

- Sim estou indo agora!

- Sei também que ela chegava muito tarde, entre 10:00 hs ou 11:00 hs da noite. Afirma a testemunha.

- Presumo que era o seu cachorro que também lhe avisava da chegada da Reclamante? Indaga a Juíza.

– Era ele mesmo doutora, o Rex me avisa de tudo! Responde a testemunha.

A Juíza então, dirigindo-se ao advogado da Reclamante, lhe pergunta?

– Doutor, o senhor não tem vergonha de trazer uma testemunha desta qualidade para uma audiência? O advogado de cabeça baixa tenta se desculpar, afirmando que não tinha idéia de que iria passar por isso. A juíza então, ironicamente pergunta ao advogado:

- Doutor, não era melhor que o senhor trouxesse o cachorro para testemunhar, já que ele é quem presenciava tudo ? A ingênua testemunha ao ouvir a pergunta feita pela juíza, foi logo se antecipando:

- Se depender de minha autorização doutora, o Rex vem até hoje mesmo ser testemunha, a senhora vai ver que ele é inteligente!

– Tenho certeza que sim minha senhora, tenho certeza que sim! Responde a Juíza. Neste momento, outros advogados presentes à sala tiveram uma crise de riso, motivando o encerramento da audiência.