A Carta de Apresentação

Meu pai era um sujeito espirituoso, Deus o tenha, Cirurgião Dentista, boêmio por natureza, gostava muito de uma cachaça e um violão, e adorava estar na roda de amigos a confabular e tomar umas e outras. Tinha sempre uma resposta na ponta da língua em qualquer situação.

Entre os diversos “amigos” de sua época de infância, um deles chamava-se Darcy, advogado, de família distinta e tradicional na cidade de Olinda, Estado de Pernambuco, cujo pai fora Desembargador respeitado. Dr. Darcy, como era conhecido, era um sujeito boa praça e divertido, mas, uma pessoa muito inconveniente e desrespeitosa quando se embriagava, chegava a ser insuportável.

Sua constituição física era franzina, de baixa estatura, em torno de um metro e cinqüenta e oito, cabelos lisos, um grande nariz largo de poros abertos, uma risada sarcástica, e um temperamento tipo valentão. Sua esposa era uma verdadeira santa, pois conviveu com o mesmo até a sua viagem final nos anos noventa.

Meu velho pai tinha um amigo em Brasília de nome Safe Carneiro, também Cirurgião Dentista, que desfrutava de uma condição financeira excelente, amigo este que lhe foi apresentado por outro amigo de infância que morava a alguns anos na Capital Federal, de nome Gilvan Chaves, hoje já falecido, que era cantor e compositor de profissão, tendo sido bastante conhecido em outras épocas, quando fazia muito sucesso nas rádios.

Pelo menos duas vezes por ano, meu pai ia para Brasília a pedido do seu amigo Safe, hospedando-se em sua residência, que conforme retratava, era uma verdadeira mansão com piscina, e todo o conforto, onde faziam verdadeiras farras ao som do violão e bebidas importadas. Dr. Safe era separado da esposa, e fazia grandes festas na sua mansão, as quais o meu pai participava, quando de suas visitas, a convite do seu dileto amigo.

Sabedor de tudo isso, Dr. Darcy que adorava uma farra, procurou o meu pai, dizendo que estava indo para Brasília a negócios, e que gostaria muito de conhecer o Dr. Safe Carneiro que ele tanto falava, e para isso, pediu que ele fizesse uma carta de apresentação, para que pudesse ser bem recebido pelo seu amigo. Meu pai ficou desesperado, sabia o temperamento de Dr. Darcy e nunca iria fazer boas recomendações a seu respeito, pois, tinha a certeza que iria ser um desastre.

Talvez perdesse até a amizade do Dr. Safe. Todavia, não podia também negar o pedido do seu “amigo” de infância, porque Dr. Darcy nunca iria perdoá-lo. Resolveu então que escreveria a malsinada carta, elogiando as qualidades do Dr. Darcy, e assim ficou a ele prometido, tendo meu velho pai redigido a carta da seguinte forma:

Caro amigo Safe Carneiro. Apresento-lhe o Dr. Darcy, advogado militante, meu amigo de infância, de tradicional família da cidade de Olinda, Estado de Pernambuco, cujo pai foi durante muitos anos, respeitoso Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, exercendo o apresentado, atualmente, a digníssima função de Secretário de Assuntos Jurídicos na cidade de Paulista, neste Estado, pessoa bem humorada e divertida, porém, quando bebe, embriaga-se com facilidade, chegando rapidamente ao estado de putrefação alcoólica, tornando-se inconveniente, desrespeitoso, geralmente vomita em cima da mesa, e tem o péssimo hábito de apalpar as nádegas das mulheres alheias, chegando ao final, a provocar brigas e desuniões entre os presentes. Face ao exposto, recomendo as cautelas de praxe, a fim de evitar maiores surpresas. Cordial abraço.

Após redigir a referida carta, entregou-a, dentro de um envelope lacrado, destacando o nome do dileto amigo Safe, e a observação, “em mãos”. Dr. Darcy achou estranho o fato de o meu pai ter lacrado a correspondência e terminou violando o envelope, foi quando tomou conhecimento do teor da carta, e revoltado tratou de procurar o meu velho pai dizendo:

- Isto é recomendação que se faça a ninguém? Ao que meu pai retrucou:

- Ora Darcy, eu lhe prometi fazer as melhores recomendações as suas qualidades e o fiz!

-Quanto aos seus defeitos você não me fez qualquer recomendação de como eu deveria proceder! Por conta disso, a carta nunca chegou as mãos do Dr. Safe, que nunca soube do ocorrido. Quanto ao Dr. Darcy, passou um ano intrigado do meu pai, que conformado afirmou:

- Pior seria se ele conseguisse entrar naquela casa, seria um desastre, de resultados irreparáveis !