Pery

Em cidade pequena todos têm cachorros.

O Barbosa também tinha,... Pery ( com y para dar um charme a quem nasceu de mãe cadela, e pai desconhecido) , segundo ele o vira-latas mais corajoso do mundo.

Que os vira-latas são inteligentes, disso ninguém duvida, a maioria mora na rua, não tem dono e sobrevive com alegria e cordialidade, diferente desses lulus de madames, cheios de roupinhas, laçinhos e banhos perfumados.

Conheço inclusive alguns que são chatos até ao ponto de só comerem comidinhas especiais na palma da mão da dona.

Voltando ao Pery, era um cão normal, nem maior nem menor que a maioria dos de sua estirpe, amarelo com algumas manchas brancas, sendo que essas partes bancas raramente apareciam, porque estavam sempre amarelas de sujeira ou poeira das ruas.

O Barbosa o tratava como cachorro, ou seja, normal.

Dormia na soleira da porta da pequena oficina, que também era a casa do Barbosa, na parte de baixo de um sobrado simples.

Se havia uma coisa que o Pery não gostava era de gatos, até porque ele exibia no focinho uma cicatriz, feita pela gata Meg da Dona Marli costureira, quando ele ainda era um cachorro bebê jamais esqueceu.

A gata, como é normal nos gatos, ficava deitada sob o sol da manhã, no parapeito da janela do segundo andar do sobrado, dali somente saindo para o sofá da sala, quando o sol esquentava muito, ou quando cansava de se exibir aos transeuntes.

Um fazendeiro amigo nosso, procurou pelo Barbosa atrás dos seus préstimos como marceneiro; fazia portas, portões, janelas, tudo enfim, com acabamento primoroso.

- Barbosa, tenho uma oferta a fazer e não aceito recusa...preciso de você na minha fazenda nova, no Pantanal do Mato Grosso, tem umas casas precisando de capricho, e só você pode fazer.

- No pantanal? Tem algum rio perto?

- Rapaz, tem uma curva de rio a 10 metros da casa sede, dali se pescam,Dourados e Pintados da janela...e tem demais.

-Mas então eu vou..o senhor sabe que eu gosto demais de pescar.

-Claro, faço gosto também, depois das quatro da tarde, fica livre pra pescar e caçar o que quiser.

-Tudo bem, eu vou, mas tem uma condição...tenho que levar o Pery, ele é meu amigo inseparável, não fica sem mim.

-Tudo bem, arrume as tralhas, passo amanhã com a caminhonete lá pelas cinco...

Horas intermináveis de viagem, mesmo porque estamos falando de uns mil e quinhentos quilômetros..... finalmente chegou!!

Dois dias só verificando as necessidades, uma semana indo ao mato derrubar uns paus, dali sairiam as madeiras para o serviço que seria de mais de mês.

Aquela natureza exuberante, pássaros dos mais diversos em algazarra nos ares e topos de arvores, peixes...meu Deus como tinham, de todos os tamanhos, que até tinha que solta-los para não causar desperdício.

Uma noite até uma onça rondou a sede da fazenda, esturrando como se diz por lá.

O Barbosa no seu oficio, dentro de um galpão, e o Pery, em ambiente diferente do habitual, mesmo porque na fazenda não existe rua, e o Pery gostava de bater uma perna pelas ruas da cidade...ali estava começando a bater perna pelos pastos e matos...cada dia indo mais longe.

Um belo dia, o serviço estava acabado e o Barbosa pronto para retornar à sua querida terrinha, ansioso para contar aos amigos do botequim diário, as aventuras naquele paraíso da terra.

Tralhas na caçamba da caminhonete, todos na boleia e nada do Pery...afinal por onde andava aquele cachorrinho amigo inseparável ?

Procura que procura, chama pelo nome e nada...não dava mais para esperar.

Nisso, o dono da fazenda disse que dali uns dois meses haveria mais serviços para fazer, então desta feita, o Barbosa levaria o Pery...que ficasse tranquilo que a Sebastiana mulher do Seu Alcebíades cuidaria dele nesse tempo.

Passaram-se os tais dois meses, e o Barbosa louco de ansiedade de rever o seu grande amigo Pery.

Voltaram à fazenda para uma nova empreitada, mas desta feita, foram informados que o cachorrinho não mais aparecera desde aquele dia do sumiço.

Inconformado, Barbosa pediu um cavalo emprestado e junto com um empregado local, saíram a campo tentando ver se encontravam uma explicação para o sumiço do companheiro fiel.

Horas e horas andando por todo lado, até que o tal empregado deu um grito alertando o Barbosa que achara uma cena inusitada, mas que poderia ser o querido Pery.

Boquiaberto, Barbosa não teve duvidas que era o seu corajoso cachorrinho, afinal o dono sempre conhece.

Num canto de mato, em frente a uma arvore torta de caule grosso, estava a “caveirinha” de um cachorro em posição de ataque, com a boca aberta, como se estivesse latindo, e em cima da arvore fora do seu alcance, a “caveira” de uma onça, das grandes, acuada.

-É ele, ...exclamou o Barbosa.

Lune Verg
Enviado por Lune Verg em 15/02/2008
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