" Quem sou? "

Estou exposto em diversas lojas, sempre ao fundo, esquecido, embora faça parte da vida íntima de cada um.

Sou inanimado....Por fora, às vezes preto, às vezes marrom ou branco.Mas por dentro tenho vida. Sou colorido e com grandes histórias para contar!

Mariana....Mesmo sabendo que não poderia falar sempre me perguntava:- Que roupa devo usar? Onde foi parar a calça que estava aqui?

Como se “eu” escondera a bendita calça!

Vavá, esse então..... Dava trabalho! Pegava dinheiro da irmã...e escondia em algum lugarzinho dentro de mim, aliás...Sou cheio de repartições e lugares secretos.....

Dona Filó....Essa adorava guardar “retratos” antigos e amarelados em uma de minhas gavetas....Sem falar nas naftalinas que ela colocava em cada cantinho...Vivia espirrando.

Todo mundo aproveitava da minha bondade...Afinal, estava sempre de portas abertas!

Guardo recordações passadas, muitas delas alegres, outras tristes....

Flávia, não fazia regime direito...Cada vez que procurava roupa pra sair e esta não lhe servia, ficava brava comigo como se eu fosse culpado...Batia minhas portas com total violência...E lá vinha seu Antônio com o martelo...toc...toc..toc...

Quantas vezes Ary escondeu Sofia dentro de mim quando seu Ademar, seu pai, entrava no quarto?. chegava a ser hilário....

Em algumas casas estou escorado com tijolos,cansado, pois meu trabalho é pesado! Aturar vários gênios sem reclamar, sem revidar é duro!

Acompanhei a família Dante desde quando Beatriz era criança, agora com 18 anos, disse que estou velhinho, fora de moda, antiquado.., não sirvo mais pra Beatriz!

Suas roupas mudaram, tomaram forma de mulher e o meu corpo é pequeno para tantos biquínis, tantas calças tantos sapatos.

Maria, esta acompanhei-a desde seu primeiro casamento,já no terceiro e não aprendeu que não gosto de guardar suas roupas sujas nem sapatos com chulé...

Emociono-me ao contar do vestido de noiva que guardei de Clara para sua tão sonhada noite!

E do terno do seu Osvaldo, para seu enterro.

Infelizmente Clara não se casou e seu Osvaldo continua vivo....Coisas do destino.

O interessante é que cheguei na casa dos Dante de caminhão fretado, grande, com papelão para não me riscarem, com todo aquele cuidado.

Anos mais tarde, lá fui para a loja de usados, de carroça, e cada poça que passava, parecia que eu ia parar ao chão...rs, que aventura!

Agora estou aqui, quebrado, sujo, cansado, exposto ao sol e a chuva, humilhado...sem dono, sem pátria!

Entendo que as pessoas compram, usam e descartam quando lhes é conveniente.Porém elas não entendem que faço parte de suas vidas, que sou como um membro da família, e se estou cansado, deveriam deixar-me junto com todos,aliás, guardo segredos, mistérios, alegrias e tristezas de cada um.

Quem sabe você passou tantas vezes perto de mim quando andava por essa rua e nunca imaginou que eu teria tantas histórias para contar......

Ainda que não tenho mais aquele vigor, como anos atrás, guardo na memória toda essa história.

Quem sou?