Francisco de Assis e Tanalli

Francisco de Assis foi um destes instrumentos de Jesus, que restabeleceu uma infinidade de corpos de todos os tipos de enfermidades na Terra. Entretanto, a força que afina o instrumento humano, para servir de instrumento divino nas mãos do Mestre é somente uma: o Amor, o mais puro Amor, buscando assim as ondas luminosas desprendidas do Cristo de Deus, que sempre busca igualmente sintonia para consubstanciar em bênçãos de Deus onde quer que seja. Ninguém é órfão das coisas dos Céus, quando procura o caminho de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja imensurável aura acolhe o Planeta e, na Sua grandeza espiritual, sente todas as necessidades dos homens e das coisas, e todo o Seu rebanho está dentro de Sua faixa mental.

O Evangelho é , por excelência, um código divino. Se respeitamos os seus preceitos, estaremos em sintonia com a força universal do Amor e seremos atendidos por essas leis que regulam a própria vida que estagia na Terra.

Em Rivotorto havia um hospital de leprosos por demais impressionante, se considerarmos o que seria uma Casa de Saúde há oito séculos atrás. Os hansenianos daquela época eram relegados ao abandono e a medicina não tinha condições, como agora, para tratá-los adequadamente.

Francisco de Assis tinha um carinho profundo por aqueles doentes, e sempre pedia aos seus companheiros para visita-los e trazer notícias daqueles restos de homens, levando-lhes a sua presença. No entanto, alguns manifestavam impaciência e mesmo revolta, por estarem separados da sociedade, das mulheres e filhos.

Certo dia, Frei Pedro de Catani e Frei Paulo foram visitar os enfermos e conversar com eles, acerca da bondade de Deus e da misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Acontece que um deles, o mais agitado, começou a blasfemar contra Deus, contra Cristo e contra eles mesmos, por estarem somente conversando e ele, cada vez mais doente e relegado ao abandono. Chegou mesmo a dizer: - É porque essa doença não é em vós!

Retrucou Pedro de Catani: - Foi nosso Pai Francisco que nos mandou vê-los e enviou a bênção para todos que aqui estão.

O leproso, que se chamava Tanalli, ficou mais furioso com o recado de Pai Francisco, dizendo:

- Esse Pai Francisco fica de longe nos mandando bênçãos. Dispenso as suas bênçãos; elas para mim de nada servem, pois cada vez que vindes aqui, fico mais revoltado e com a mesma doença. Dispenso consolo de homens como vós que parecem mais miseráveis do que nós ; se tivésseis alguma coisa para dar, não viríeis aqui.

Frei Pedro e Frei Paulo ouviram pacientemente o leproso e, sem entrar em demanda, conservavam a atitude de oração, enquanto Tanalli blasfemava. Acontece que a paciência dos dois homens de Deus esgotou-se, e Frei Pedro, homem forte e decidido quando necessário, agindo sem aquiescência do doente, colocou-o nos ombros e falou pacientemente a Frei Paulo: - Vamos, irmão, levar este doente para o verdadeiro médico, que ficou mais ou menos de longe.

Chegando junto a Francisco com o enfermo, ele quase os fez voltar com o leproso, alegando que não podia ficar com aquele homem em lugares não apropriados. – Fizeram muito mal em traze-lo, dizia Francisco. Os dois discípulos, de cabeça baixa, a tudo escutavam, orando silenciosamente em favor da situação, e do doente engasgado de agitação. Quando os companheiros de Francisco iam saindo de volta para o hospital, este, caindo em si, ajuelhou-se aos pés dos discípulos e pediu-lhes perdão pelo que fez, dizendo carinhoso: - Perdoem, meus filhos!... O que fiz, meu coração não deseja que seja assim!

E tomou o doente com dificuldade, carregou-o até uma dependência do rancho. Olhou para o rosto em chagas, cujos lábios tinham se transformado em uma só ferida. O mau odor era insuportável, o corpo era uma só chaga e o doente não mais suportava a roupa sobre a pele, que quase não existia. Francisco, tomado em amor pelo leproso e com profunda humildade, beijou-lhe o rosto como se fosse o da sua própria mãe. Retirou a roupa do enfermo, jogando-a de lado, e em seguida beijou as suas chagas pustulentas, como se o fizesse a um ente muito querido, e falou com tanto sentimento de compaixão, como se estivesse pedindo ao seu próprio pai para reconsiderar o que fez. O doente, naquele clima de fraternidade, começou a chorar, e Francisco não fez outra coisa. Choraram Juntos.

Nesta hora, os discípulos acercaram-se do mestre, sem saber o que fazer diante do drama comovente. Pai Francisco pediu aos companheiros que trouxessem uma gamela com água morna, pedindo a Frei Paulo que colhesse, com os devidos cuidados, em próximo canteiro, três rosas, e se pusessem em oração. Trazidas a água e as rosas, que foram despetaladas com um hino de louvor ao Senhor dos Céus, pôs Tanalli na gamela, e chamando Frei Luiz, pediu-lhe que recordasse as palavras de cura de Lázaro, que já tinha morrido há quatro dias, quando foi ressuscitado por Cristo.

Sentiu que alguém tomou-lhe as mãos, dizendo:

- Francisco, cuida destas minhas ovelhas, elas são filhas do Calvário, agredidas pelos seus próprios destinos.

E Francisco respondeu mentalmente:

- Sim, Senhor, sim! Eu cuidarei!

E acrescentou Francisco: Se for do Teu agrado que essa enfermidade passe para mim, beijarei as Tuas mãos pela misericórdia de poder pagar minha falta para com esse homem de Deus, que devo respeitar.

E Francisco foi passando as suas mãos no corpo do leproso e todas as feridas foram se fechando, como por encanto, à medida que as mãos lavavam o enfermo. Os discípulos, ao contemplarem esse fenômeno, caíram de joelhos no chão batido do Rancho de Luz, e cantaram um hino de louvor ao Todo Poderoso, pela presença do Cristo no seio da Comunidade. Tanalli, quando observou o ocorrido, e não sentindo mais dor, levantou-se nu da gamela, sozinho, ajoelhou-se perdido em emotividade santa, e beijou os pés de Francisco, molhando-os de lágrimas. Avançou para os discípulos para fazer o mesmo, mas esses não aceitaram, por se sentirem leprosos da alma. E Tanalli, que era criminoso contumaz e incendiário irreverente, gritou em altas vozes com os braços estendidos para os Céus:

- Senhor, sei que existes! Faze de mim o que quiseres que eu seja!

Alguém, apressadamente, lhe trouxe uma veste rota e todos o abraçaram e, desde então, passaram a chamá-lo de Frei Aprígio.

Passado muito tempo, pregando o Evangelho nas andanças com Pai Francisco, a quem tinha o mais elevado respeito, Frei Aprígio, no ano de 1250, ainda sentia no seu coração, algo a corrigir. Tinha impulsos de violência, e já havia se empenhado com todos os recursos que aprendera, através, das experiências pessoais e das coisa que Pai Francisco lhe tinha ensinado. Usara o recurso da oração, de maneira a demorar-se horas a fio em preces, mas o animal violento e orgulhoso ainda vivia.

Certa noite, próximo da cidade de Lecce, quando lhe servia de teto uma árvore, perdeu o sono, fitando as estrelas e, chorando, pediu a Deus:

“Senhor, se me fosse concedido receber algo de Tuas mãos santas e sábias; se me fosse concedido pedir-Te alguma coisa como prêmio para meu coração; se eu pudesse escolher um caminho de livre e espontânea vontade, eu Te pediria que beijasse, outra vez, o meu corpo, como fizeste antes, com as chagas da lepra e seria o homem mais feliz da Terra, porque, agora, somente ela poderá arrancar do meu coração, o orgulho e a violência que carrego comigo, de eras incontáveis”.

E ainda chorando, adormeceu.

No outro dia, quando acordou com a luz do sol a banahr o seu rosto, Frei Aprígio voltava a ser Tanalli, o leproso de Rivotorto. Ajoelhou-se diante do beijo solar, agradeceu profundamente a bondade do Criador e desatando o cordão da cintura, trocou a veste de franciscano por uma comum, tomando a direção da Casa de Saúde de onde antes, revoltado, saíra. Ali, seis anos após, morreu, agradecendo a Deus e a Cristo pela benção da lepra, que o fizera expurgar do imo de sua alma, o orgulho e a violência.

Humberto S Espirito Santo Jr
Enviado por Humberto S Espirito Santo Jr em 19/02/2008
Código do texto: T866036