Os Bigodes

Edson Gonçalves Ferreira

Com pompa e honra, começo dizendo que sou neto de português por três lados. Só tenho uma avó espanhola o que, também, é motivo de orgulho. Até tengo um libro em espanhol que se chama "Palabras de mi corazón" (estou à procura de uma editora para lançá-lo) e nele se lê :

"Yo no tengo el tiempo

El tiempo tiene mi cuerpo

La vida es canción curta demás

Mi voz no tiene muchos sonidos

Solamente mi corazón es más cantante

Cuerpo se queda em cualquier rincón, em cualquier lugar

Mi alma no

Dios se encanta con ella

Con ella hago alas

Pero necesito de mi cuerpo

Para la transfiguración del Amor

Donde me eternizo

Estupendamente bello

Estupendamente divino

Estupendamente divino

Estupendamente humano y flaco

Humanidade es la cosa más hermosa

Preciosidad rarísima.."

Mas Chega de espanhol. Depois, falo do meu livro em espanho, agora quero contar, um pouco, quando o sangue agita frenético no meu corpo, é sobre a história da família de meu pai que, até hoje, tem o apelido de Bigode. Afinal, sangue grita tanto quanto o coração!...

Meu avó veio para o Brasil logo após a vinda da Corte, por volta de 1850 ou 1860 e, não sei por que, veio parar em Divinópolis que, naquela época ainda era um arraial. Aqui ele se casou com Dona Leopoldina, minha avó, que segundo os mais velhos da cidade, bem como os jornais antigos, era uma mulher guerreira e comanda a vida sóciocultural e política do arraial.

Há pouco tempo, Amira Souki, filha do Halin Souki, me disse que o pai dela chegou no Brasil e foi morar em Carmo do Cajuru e, depois, viu a efervecêsncia cultural de Divinópolis. Procurou saber quem comanda tudo e, ao descobrir que era na casa do Joaquim José Ferreira (Bigode) e da Dona Leopoldina, na Rua da Bela Vistal, ali instalou a sua Casa Oriente.

Eu não tive o prazer de conhecer meu avô paterno. Vovô Joaquim foi construtor, músico, poeta. Na sua casa, à noite, reunia a fina flor - como dizem - da sociedade da época. Ele com seus filhos: Rodrigo, Antenor, José, João, Luiza, Eulina, Aurora, formou uma orquestra com bandolins, violinos, violões. Eles tocavam em tudo quanto era lugar, desde na igreja até nas sessões de cinema que, naquela época, início do século XX, então, era mudo.

Corre, entre os mais velhos, que havia até um ditado popular

da época. Quem me contou foi Beatriz Ferreira Gontijo. Dizem que os mais tradicionais diziam: "Tomes aqui uns vinténs, dês uma voltita pelo Largo da Matriz, mas não me andes com os filhos e as filhas do Bigode, porque são todos uns homens e uma mulheres perdidas". Se é verdade essa frase, ela atesta o preconceito contra os artistas. Imaginem que minhas tias Eulina (in memoriam) e Luiza que, hoje, faz cem anos, aos oito anos, saíam de Divinópolis para dar concerto até em São Paulo, com seus violinos, pode? Elas eram como Chiquinha Gonzaga, não é, tocando violino e violão?

Hoje, conversando com minha prima Neusa, filha do Tio João, que mora em Itaúna, ela me contou que chegou a freqüentar a casa do vovô na rua da Bela Vista. Fiquei com uma inveja boa danada dela!... Queria tê-lo conhecido também. Consolo-me sabendo que sei cantar fados, porque meu avô paterno, Manoel Gonçalves me ensinou tudinho.

Em minha casa, tenho até uma parreira feita de aço com cachos de uvas de cristais. Sobre a mesa da sala, existe uma fruteira com cachos de uvas e vinhos e pão. Afinal, "Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa..." Essa canção imortalizada por Amália Rodrigues marca a minha vida. Sou Bigode com muita honra.

Sou professor, sou poeta, sou músico e, antes que vocês digam, sou doido com todo direito de sê-lo, porque o artista é aquele que ama a vida tão passionalmente que, às vezes, é incompreendido.

Por isso, resolvi contar esse caso de família para que todo mundo que os Bigodes são gente nobre e boa. Amantes das Artes e da Humanidade. Gente muito religiosa tanto que, até eu que, hoje, sou pecador, já estive no mosteiro e no seminário. Só para terminar, tenho um pé na santidade e um pé no pecado. Às vezes, quando vou confessar, falo isso para meus amigos sacerdotes e eles riem, porque sabe que, quando erro, é por causa da humanidade exacerbada que flui no meu sangue de Bigode. Afinal, meu avô chegou aqui em pleno Romantismo e, portanto, sou romântico demais!...

Ele, o vovô chegou a ter muito dinheiro, porque foi o responsável pelas construções das primeiras casas modernas de Divinópolis. Num poema dele, ele fala, antes de falecer, que estava velho e pobre, mas que deixava gravado na História: Joaquim José Ferreira, vulgo Bigode. _ Num é que eu sou Bigode também?

Divinópolis, 24.02.08

edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 24/02/2008
Reeditado em 26/02/2008
Código do texto: T874221
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.