Um porre na porcada

 

      Meu sogro Angelindo, pequeno agricultor, possuía lá seus vinte e poucos hectares de terra, cuja atividade econômica principal era uma plantação de uvas. Um parreiral que abrangia quase metade da propriedade de onde ele tirava cerca de trinta mil quilos de boa uva todos os anos. A maioria desta produção era comercializada com cantineiros da região para a fabricação de vinho.  

   No mais, a Colônia – como eram chamadas as pequenas propriedades rurais  naquela região desbravada por imigrantes europeus  no fim do Século XIX – possuía umas vaquinhas de leite, uma encerra para a criação de porcos para consumos próprio -  através de salames, banha e presuntos -  e mais galinhas, patos e perus, além de uma alentada horta que era cuidada com muito esmero pela patroa da casa, minha sogra, Dona Pierina

        Mas deixa estar que seu Angelindo, como bom ítalo-descendente, não vendia toda a uva que produzia. Reservava sempre um bom quartel de parreiras, selecionadas a capricho, para fazer algumas pipas de vinho. E para isso, na propriedade havia uma pequena vinícola, constando de uma cantina construída de pedras, um lagar apropriado à maturação dos vinhos e os demais apetrechos para a vindima e todo o processo de vinificação. É claro que grande parte  deste vinho era vendida à porta de casa, uma vez que o produto era muito afamado na região. E sempre havia sobre a mesa do almoço uma jarra de vinho tinto recém colhido no lagar. Isto era a tradição naquela família, onde muito do linguajar familiar ainda era falado em dialeto vêneto, do Norte da Itália, misturado ao português simplório do povo.

     Certa ocasião, quando aconteceu este  fato estávamos mais ou menos na época do travaso do vinho – processo em que o vinho novo deixa as pipas de fermentação, deixando a bagaceira no fundo, e passa para as dornas  de maturação - aquele fora um ano de poucas as chuvas. E por isso, se o vinho se previa  que seria de boa qualidade, o milho, ao contrário não produzira o suficiente para alimentar os porcos  e engordar os capados.  Em vista disso, a fim de os cerca de quinze porcos -  entre porcas criadeiras, leitões, capados e um varrão -  não passarem fome,  a alimentação era suplentada por  outros produtos  da chácara, como abóbora,  ramas da batata doce e mandioca.  
Pois foi numa dessas  que Dona Pierina teve uma idéia brilhante. “Será que esses bichos, famintos como estão, não comem bagaço de uva? – pensou.
Pensou e pôs em prática. Sem consultar o marido, conseguiu um pouco de bagaço e pôs  no cocho da porcada, a fim de testá-los.  Ah... não deu outra. Os porcos, gulosos e famintos, lamberam em segundos. E ainda brigavam entre si quando o bagaço acabou no cocho.  
Dentro de mais alguns minutos vinha a patroa da casa, com um balaio pesado,  calcado no quadril, transbordando de bagaço e despejou-o de vez,  enchendo o cocho. Os animais cairam sobre aquele manjar como uma vara de catetos num milharal. E a seguir Dona Pierina sentou-se num cepo, satisfeita por haver encontrado uma solução caseira, baratinha e eficiente para matar a fome da porcada.

    É claro, o bagaço de uva após a fermentação ainda conserva traços de açúcar, o suficiente para agradar o paladar, nem sempre muito exigente, dos suínos. Foi uma festança. Comeram a se lamberem..

   Não demorou e Dona Pierina começou a notar que havia algo de errado com a porcada. – “Ué!?" – pensou. – "Parece que enlouqueceram.” Levantou-se e ao se aproximar da cerca da encerra notou um  comportamento estranho dos porcos. Uma verdadeira farra.
  Os leitões corriam de um lado a outro, caiam, levantavam, focinhavam um na barriga do outro, derrubando-os. Grunhidos desusados que mais pareciam risadas . As porcas galopeavam ao redor da encerra, davam cambalhotas, andavam a cambalear como se imitassem passos de dança. Os capados grunhiam fininho, tipo fala-fina, e o varrão, por ter sido o mais glutão já não podia mais se lamber de bêbado, deitara de banda, enquanto que os leitões fuçavam em sua barriga pensando que estavam a mamar na porca mãe.

      Claro está que Dona Pierina, ao dispor aquele tipo de alimento aos porcos, não sabia que a bagaceira de vinho, mesmo após o travaso, conserva elevados teores de álcool.Tanto é que dali se extrai um destilado famoso na Colônia: A “graspa” ou “grappa”, uma aguardente mais  potente  do que o destilado de cana-de-açucar.

     Quando Seu Angelindo, ao se dar conta  da gritaria e agitação  da porcada, saiu a ver o que ocorria na encerra, encontrou a mulher,  de cócoras, segurando-se nos paus-a-pique que cercavam a encerra,  a morrer de rir. 
    Então, após se inteirar das causas daquela alegria suína  desusada, a Seu Angelindo não restou outra alternativa do que agachar-se também  e ficar apreciando - e rindo -  junto com sua mulher, aquele verdadeiro espetáculo circense, com malabaristas, dançarinos, ginastas e palhaços, proporcionado por um bando de porcos bêbados.    

 

 

 

 

Vinícius Lena
Enviado por Vinícius Lena em 12/03/2008
Reeditado em 01/06/2010
Código do texto: T898609