Medo dos estranhos

Levantei sem querer levantar e quando dei por mim já estava debaixo do chuveiro, acordando. Vesti uma roupa qualquer, com uma sandália qualquer e fui ao supermercado, só haviam jarras de água na minha geladeira. Andei buscando as coisas que eu mais gostava - andava sem apetite e precisava comer. Chocolate sim, biscoitos, alguns tomates e massa de lasanha. Andava e não sei porque gostava de ir fazer feira, olhar todas as outras pessoas que percorriam as prateleiras. Algumas tão cheias de si, com tanta certeza nas escolhas, é claro que o produto “x” é melhor que o “y”. E eu levava mais tempo passeando e observando do que escolhendo e comprando. Até que quando pegava uma coisa qualquer, uma senhora imóvel num dos corredores olhou pra mim e sem mexer um só músculo da face e do resto do corpo falou como quem a me conhecer e a saber que eu jamais negaria o seu pedido. “Pare aqui na minha frente”. Disse assim, como quem dá ordens. E eu como sempre ouvindo o que as outras pessoas têm a dizer, andei em sua direção e parei na sua frente, bem perto, olhei-a nos olhos. Ela continuou inexpressiva. E começou a falar, estava tão nervosa com aquela situação que todas as suas palavras vinham em uma lentidão, como se o seu tempo não acompanhasse a velocidade da minha curiosidade. Comecei a me indignar, comigo e com ela. Como uma estranha pode parar minha vida pra me falar o que pensa a respeito de mim? E eu, como eu poderia ter concedido que ela fizesse isso? E ao mesmo tempo me perguntava porque tanta indignação, será que eu era alguma merda pra não poder parar pra ouvir o que alguém tinha pra me falar ? Enfim parei e ela começou, sincopada. “Você ...quando se olha no espelho se acha... bonita com o seu cabelo? Você acha seu cabelo bonito?” . Ora essa, claro, minha senhora, o que a senhora acha? Além disso, meu cabelo é meu, ele é assim, ele nasce assim e é bonito do jeito que é. Pensei nisso tudo, ou melhor, nem pensei, esses pensamentos são tão intrínsecos que apenas sorri e disse “Sim”. E ela igualmente doce quanto ainda inexpressiva: “Eu também, eu também, minha filha. Na verdade eu queria ser assim, como você” . Sorri, e pra não prolongar continuei a fazer minha feira e pensando em quanto ela havia sido invasora , caso tivesse dito que não gostava do meu cabelo, eu estaria pensando em quão hedionda teria sido aquela mulher mas como ela elogiou apenas, eu segui meu caminho pensando em besteiras e rindo do meu maldito medo do contato com os desconhecidos.