SAI DA FRENTE

Todos os lugares têm seus personagens. Não raro pessoas humildes que por alguma habilidade pessoal, forma de viver ou de comportamento, ocupam um espaço especial na vida comunitária.

Conheci um senhor que costumava dizer do comportamento de alguém, “é um despótico”. E todos lembravam disso ao falar sobre ele. O Delmar se referia ao que havia feito algo diferente, “o homem é um bárbaro”, e o Dirceu, depois de uns tragos, enchia de desaforo aquele com quem não concordava, depois parava, respirava, e concluía, “sejamos amigos”.

O Protásio, nos tempos de jogador, era mais conhecido pelo apelido que ajuda a manter viva uma das suas histórias, ”Te arrebento”.

Calvet, que jogou no Guarany, Grêmio, Santos, seleção brasileira, foi bicampeão do mundo com o Santos. Perguntado: - quando o Pepe, o Canhão da Vila, ia bater uma falta, a barreira avançava? Dizia: - quando o Pepe ia bater, a barreira recuava.

O Protásio era um impetuoso atacante do Rio Negro, time de várzea dos mais temidos do interior de Bagé, pela qualidade, principalmente, mas também pela torcida, combativa, não raramente no mau sentido. Jogou com meu tio Chico, um ponta-direita veloz, e também com o meu pai, que era um guri, e pegava no gol, quando faltava o goleiro titular, que era um craque.

Nos anos 30 do século passado, a bola era de tento, que até hoje nunca vi uma dessas, e o nosso personagem jogava com pés descalços. Certo é que, num dia de chuva, a bola molhada, sem a proteção de hoje, encharcada, pesava um quilo, ou dois.

Chovia muito no campo do Santa Rosa, na lendária localidade de Seival, sul do Rio Grande do Sul, onde ocorreram batalhas épicas contadas na história do Estado. Chovia e relampejava. O dia estava escurecendo, e faltavam uns dez minutos para acabar o jogo, quando se deu, falta para o Rio Negro bater, na entrada da área, de frente para o gol.

Quando o Protásio arrumava a bola, comunicou aos homens da barreira, que na época ficavam de costas para o batedor, com voz firme e decidida de quem quer intimidar:

- Sai da frente ou te arrebento!

Os homens não saíram, mas havia quem dissesse, “batiam queixo de frio ou moviam os lábios rezando”.

Protásio lançou um petardo, a bola saiu bicuda, rumo a moldura sob a qual estava o acuado goalkeeper, assim se chamava o goleiro. Bateu no travessão, quase na junção com o poste, lá onde a coruja dorme, justamente no momento em que um raio uniu céu e terra, num risco, justo onde a bola bateu.

O travessão caiu na cabeça do goleiro, que ficou algum tempo desacordado. Nem tinham acabado de socorrer o infeliz e a discussão, que até hoje persiste, começou: - terá o raio subido em razão da batida da bola no travessão, ou será que foi um raio que caiu?

Como não tenho mais testemunha viva que me garanta, de novo, fico com as minhas dúvidas, porém, dizia meu tio, que estava perto:

- A bola ricocheteou num eucalipto que fumegava enquanto a gente acudia o goleiro!