Vamos festejar o quê ?

E um viva pro meu egoísmo, já que mesmo sabendo o tamanho da hipocrisia que há nessa tal de micareta, mesmo sabendo que estaria num lugar onde todo mundo comemora o nada ou melhor o seu bem estar incontestavelmente procurado. Sim, vamos todos ficar bêbados e dançar ao som das músicas medíocres, quem está ligando pra isso, não é? Vamos ser “felizes”. Nesse embalo eu fui, sempre acabo indo, afinal hipocrisia maior seria negar o meu desejo de embriagar-me e dançar com qualquer som que chegasse ao ouvido e fingir ser completamente inteira e feliz, nem que fosse por algumas horas. Lá estava eu, meio desanimada no início mas depois sorrindo na terceira latinha de cerveja. Perdendo lentamente os reflexos. Perdendo lentamente a vergonha na cara. Quando de repente algo me chama pra realidade. Senti alguma coisa pegando em minhas pernas. Não era nenhum vira-lata ou coisa assim, era um criança de seus no máximo seis anos que segurava em mim pra não desequilibrar enquanto pegava no chão uma lata de cerveja. O mundo real nunca foi tão difícil de encarar, a realidade era ela, a criança na madrugada, a miséria – velha conhecida – que me pegava pelas pernas e me levava pra baixo, pro inferno. Me senti um lixo, um bosta que fingia não ver nada. Por tanto querer me enganar, me enganei, olhei-a por alguns segundos e fiz como todos, era mais fácil. Fechei os olhos e segui meu caminho. O que foi ? Alguém me perguntou. Respondi que não era nada e como se isso realmente fosse nada continuei a fingir. E lá ia eu, lá iam todos, sustentando as nossas caras de pau e a nossa imundice, esse nosso egocentrismo ainda nos leva longe, muito longe. Passa um trio e o grau etílico em meu corpo sobe. Agora sim, sem reflexo nenhum. Passei um tempo assim, sem beber, só queimando o álcool, inflamando. Dançando uma música que eu odiava me dei conta de que tinha chegado no nível do ridículo, depois lembrando de tudo me dei conta que já estava sendo ridícula desde que sai de casa.Todos os meus amigos em mesmo estado não me deixavam parar um minuto sequer, vamos, pro lado, pro outro. Os olhos já estavam mais lentos e demorando pra piscar, sentia como se estivesse malhando-os, abrir, fechar, olhar pro lado, tudo len-ta-men-te. Fui ao inferno de novo, alguém havia me dito que agora era minha vez de comprar a cerveja. Encostei no primeiro isopor, e mesmo bêbada senti vergonha de mim, a senhora que vendia bebidas estava cochilando sentada com um trio elétrico tocando ao seu lado. Cutuquei-a. Ela acordou e sorriu até. Comprei, paguei, dei até logo e pensei que vida levava aquela senhora, o que fazia ela sair de sua casa e passar a noite na rua vendendo pra pessoas que nem se importavam com ela. A vida era dura, pensei. Mas era fácil pra mim. Eu estava ali, “curtindo”. Até que senti vontade de ir no banheiro, o mais próximo era o da rodoviária. Ao entrar lá, quantas caras tristes sentadas naqueles bancos, e quantas pessoas dormindo jogadas pelas ruas no caminho. Passei quase correndo, usei o banheiro e sai também às pressas. Voltei pra perto dos meus comparsas, e todos estavam estranhamente parados e tristes. O que houve? Eu perguntei e daí começaram a me contar, cheios de indignação, que haviam sido roubados. Tinham levado todo o dinheiro que estava em seus bolsos. Acabamos todos voltando pra casa, bêbados, chatos, e reclamando da vida. Mais uma ironia da vida real. No outro dia acordei passando mal, física e moralmente.