Peripécias do Tércio - III

Vamos falar um pouquinho do Tércio ( a orelha dele vai ficar

vermelha, mas tudo bem...).

Boa situação financeira, solteiro, chegando aos 30, bom caráter.

Formado há pouco tempo em Economia Política, conseguiu comprar

seu apartamento, aceitando uma ajudinha inicial dos pais. Mas

isso não era importante agora; o importante é que agora tinha a

sua vida e era dono do seu próprio nariz. Como amigo, era sempre

leal.

Dessa vez, resolvera viajar sozinho, porque queria experimentar

algo diferente. Ainda se lembrava das férias do ano passado,

quando viajou com a Nandinha (ex-namorada). A menina era

totalmente transloucada, falava alto ao celular e chamava muita

atenção com seus cabelos vermelhos e suas botas góticas. Isso

sem falar nas tatuagens. Ahhh, aquelas tatuagens...! Quase

fizeram a mãe do Tércio infartar; já o pai, gostara... e muito.

As coisas acabaram não dando muito certo, e depois dela ter

gasto boa parte do dinheiro dele com souvenirs, cada um seguiu

seu caminho.

Viajando sozinho, poderia ter mais liberdade, aproveitar a

natureza e a fazenda do tio Ary tinha sido sua primeira opção,

em mente, mas parece que as coisas começaram bem atrapalhadas.

Depois de caminhar por quase meia hora debaixo daquela chuva,

com lama até a alma, ainda lembrando a perda do carro, ele e o

velhinho chegaram em frente a uma porteira tosca.

_ Prontinhu, moço...cumpradri Ary mora aí. É só o sinhô entrá...

e cuidadu cum o Malucu...

“Maluco?! Só me faltava essa...um maluco solto por aqui... e se

for um psicopata, desses que pulam em cima da gente com um facão

na mão? Como eu vou me defender? Com uma mochila e galochas?

Hmmm...”

Tércio suspirou fundo. Enquanto divagava, não notou que o

velhinho continuara seu caminho, desaparecendo na primeira

curva. Se viu sozinho. Tentou abrir a porteira, mas estava

emperrada. Então, pulou. Não foi difícil. Seguiu pelo caminho

lamacento e acabou encontrando uma placa bem interessante:

“Em caso de chuvas ou trovoadas, cuidado com o Maluco.”

“Fala sério...que é isso?! Aonde eu vim parar? Ta começando a

bater um arrependimento.... isso só pode ser mesmo praga do

Pepeu! Ahhh, Pepeu!!!”

Procurou andar mais rápido, só que agora, olhava para todos os

lados. A chuva melhorara, mas a preocupação com o tal maluco

virou nóia. Passando por umas árvores, ouviu um som estranho,

abafado. Seria o tal maluco? Repentinamente, dentre as árvores,

surge um touro. Olhar furioso, bufava feroz.

Tércio começou a correr apavorado, e o touro correu atrás,

ensandecido. Enquanto corria, parecia que toda a sua vida estava

passando na sua mente, como um filme. Seria verdade que quando

alguém está prestes a morrer, acontece isso? Realmente, ele não

queria descobrir...pelo menos, não naquele momento.

Começou a rezar para não escorregar na lama. Se isso

acontecesse, seria o seu fim. Chegaram perto de um barranco e

para sua sorte, foi o touro que escorregou. Ele nunca tinha

visto chifres tão grandes. O animal tentou ainda se aprumar, mas

não conseguiu. Caiu barranco abaixo. Quase sem ar, Tércio deu

uma olhadinha lá embaixo.

“Será que morreu?”

O bicho não se movia e ainda estava com a língua de fora.

Tércio resolveu sair logo dali, pois ainda corria risco. E se o

tal maluco resolvesse aparecer? Seria demais...

Não precisou andar muito, quando avistou uma casa e na varanda,

estava Tia Cema.

Quando ela o viu, abriu um grande sorriso. Como ele ficou feliz!

Estava salvo!

Subindo as escadas, abraçou tia Cema. Ela o acolheu com imenso

carinho.

_ Tércio, que bom ver você!

_ Eu também estou feliz em ver a senhora, tia Cema...! Muito

feliz!

_ Você está todo sujo e molhado... o que houve?

_ É uma longa história, tia. Eu conto depois que tomar um banho

quente e trocar de roupa...ops! Eu...perdi minha mala de

roupas...

_ Perdeu? Ah, não tem problema. Depois você me conta o que

aconteceu. Vou providenciar umas roupas do seu primo pra você

vestir.

O primo do Tércio tinha se mudado para o exterior. Tio Ary

resolveu que o melhor estudo para ele seria fora do país.

_ Tia, cadê o tio Ary?

_ Ah.. você sabe como é o seu tio... está lá fora, com os peões,

procurando o Maluco que se soltou.

_ Como assim?! Um maluco se soltou?

_ Um maluco, não.. o Maluco. É o touro preferido do seu tio. Só

que quando chove com trovão, ele fica muito agitado, então seu

tio tem que sedar o coitadinho, até o temporal acabar. Daqui a

pouco ele volta.

“Maluco é o touro do tio Ary? O touro que está no fim do

barranco? Oh-oh!”

A porta se abre e um homem corpulento entra, visivelmente

contrariado.

_ Olha, o Ary chegou! Ary, olha quem ta aqui, o Tércio!!

_ Ô, meu sobrinho... você chegou...!

_ Que foi, Ary? – perguntou tia Cema, conhecendo muito bem o

jeito do marido – Tá com a cara estranha....

_ Acredita, Cema, que o Maluco fugiu? Os peões estão procurando

por ele. Pode ser perigoso, ele por aí, solto...nessa chuva... –

tirando o chapéu, ele olha para Tércio - _ Você não viu nada

estranho por aí, não, Tércio?

_ Eu?! N-não... acabei de chegar. Eu nem sabia que o senhor

tinha boi, digo, touro...

_ Se alguma coisa acontecer ao Maluco, eu nem sei o que faço.

Meu touro premiado, meu favorito...

_ Fica calmo, Ary, logo os peões chegam com a notícia que

acharam o Maluco. Você seda ele e tudo vai ficar bem.

_ É isso aí, tio... tudo vai... ficar bem.

Tércio tinha esperança de que o touro estivesse apenas

desmaiado, quem sabe? Afinal, o touro caíra no barranco não por

sua culpa. Pensando bem, antes o touro do que ele. Mas e se

Maluco tivesse mesmo morrido, o que diria ao tio Ary? Enquanto

tomava banho, ficou pensando se realmente a viagem estava

valendo a pena.