Positar é um verbo, despositar é outro

Essa história ocorreu num banco.

A cidade, um lugar qualquer.

O tempo, não sei.

Só sei é que, um dia, Dona Francolina entra na agência e, depois de cumprimentar a todos, pega a senha e aguarda sua vez.

Ao ser chamada pelo caixa e permanecer calada na hora do atendimento, este lhe pergunta:

- Deseja alguma coisa, minha senhora?

- Claro que desejo! - ela respondeu muito brava. - Senão, eu ia estar aqui por quê?

- Sim, mas o que a senhora quer?

- Eu quero despositar meu dinheiro.

- Muito bem. – O caixa pegou uma guia de depósito e a entregou para dona Francolina. – A senhora, por favor, preenche esta guia e entrega o dinheiro pra mim.

Dona Francolina ficou mais brava ainda.

- Por que tá me dando isso, seu moço? – gritou, quase esfregando o papel na cara dele. É claro, né, o caixa se esquivou depressa.

- Me diz criatura! – Continuou Dona Francolina.

- Pra senhora fazer o depósito. A senhora não disse que quer depositar dinheiro?

- Tem cabimento?! Tá querendo roubar meu dinheiro, rapaz? Tá pensando que eu sou analfabeta, é? Não sou analfabeta, não senhor, ouviu? Seu!

- Eu hem, minha senhora? Imagine... (riso forçado) Não estou aqui pra fazer julgamento de ninguém. Muito menos pra roubar os clientes.

- Pois é o que parece! Tá tentando me enganar pra ficar com meu dinheiro? Vou falar com o gerente! Cadê o gerente?!

Nem precisou chamar. O gerente já estava ao seu lado.

- Pois não, minha senhora, o que se sucede?

- Se sucede que vim na sua agência pra despositar meu dinheiro e esse homem tá tentando me passar pra trás!

- Tentando te passar pra trás, não, senhora! Veja lá como fala! – retrucou o caixa, irritado. – A senhora é que tá criando confusão!

- Calma, calma – apaziguou o gerente. Nessas alturas, a inevitável rodinha já se formara em volta, dos curiosos de plantão.

- Primeiro, a senhora me explique direitinho o que aconteceu. Depois, veremos como solucionar o problema.

- Se o sinhô quer saber, eu vou lhe explicar. Dias atrás eu vim aqui pra positar, abri uma conta e positei o dinheiro que recebi da venda duma casa que eu tinha. Viu, seu moço? E vocês positaram! Hoje tô precisando de dinheiro pra comprar uns troços e vim aqui pra despositar. Entendeu agora? Eu vim aqui hoje pra des-po-si-tar o que eu já po-si-tei – soletrou, mão apontando o passado, como se pretendesse explicar melhor.

- O sinhô tá me entendendo, seu moço? Agora esse aí – aponta o caixa, com raiva – vem me dizer pra positar de novo! Eu já preenchi esta ficha dias atrás! Vem pedir pra preencher de novo?!

Agora era o gerente quem quase recebia a guia de depósito no rosto. Se não se esquivasse depressa...

- E o meu dinheiro, o que eu já positei dias atrás, não conta? – continuou Dona Francolina. - Tenho de positar mais, por quê? Só podem tar querendo me roubar!

- Então é isso? – entendeu por fim o gerente. - A senhora fez um depósito e agora quer fazer um saque?

- Sei lá que linguagem o sinhô usa, dotô. Eu só entendo a minha. E a minha é: Eu positei. Agora quero despositar. Se num dia eu ponho, noutro eu desponho.

- Ah, sim – explicou o gerente -, o caixa entendeu que ao invés de sacar a senhora queria depositar.

- Mas o senhor não vê que idiotice? Como pode trabalhar aqui um sujeito tão tapado assim!

Risos.

Depois ela completou:

- Positar é um verbo. Eu posito. Você posita. Nós positamos. Despositar é outro verbo. Eu desposito. Você desposita. Nós despositamos. Entendeu?