Situação no ônibus

Todo dia eu acordava cedo e pegava o ônibus em um ponto em frente a minha casa para ir ao trabalho. Já era difícil sair debaixo das cobertas logo pela manhã, porém nada era mais desestimulante do que saber que eu pegaria o ônibus lotado.

É péssimo tentar se equilibrar com várias bolsas e pastas nas mãos. Nunca havia uma boa alma para se oferecer para segurar a minha mochila. Por qual razão mesmo que eu não comprei um carro? Não conseguia pensar em mais nada por causa do desânimo.

Mas hoje seria diferente, eu não estaria carregando meus documentos pois iria apenas buscar um arquivo na empresa, portanto, minhas mãos ficariam livres exceto por um detalhe... estava chovendo! O guarda-chuva eu teria que levar. Parece uma besteira, mas sempre fui desengonçado para essas coisas, por isso sempre nutri uma abominação por conduções lotadas.

Assim que cheguei no ponto já avistei o meu ônibus vindo. Como sempre, estava cheio. Tentei chegar até o final do carro, seria mais fácil na hora de descer, mas só consegui ir até o centro. Parei em frente a um banco onde havia uma senhorinha com ar de simpática. Aquele guarda-chuva estava me incomodando, eu estava sem jeito para segura-lo.

Volta e meia eu esbarrava sem querer nela, então muito educadamente ela pediu para segurar para mim. “Nossa, que simpatia!”, pensei. Eu estava aliviado e me sentindo mais confortável por não ter que segurar aquele trambolho.

Por que não existiam mais pessoas assim, mais pessoas educadas? É uma pena que isso aconteceu comigo logo num dia que eu não carregava muitas bolsas. Mas fiquei contente com aquela senhora! Que gentil! Que educação!

Estava perdido em meus pensamentos quando o ponto que eu iria descer se aproximava. Olhei para a gentil senhora para agradecer e pegar meu guarda-chuva, mas a resposta veio à tona:

- Que guarda-chuva? Esse guarda-chuva é meu!

Eu não entendi bem, ignorei as palavras dela e pedi novamente, mas ela me olhou seriamente e disse dessa vez em tom mais alto:

- Não! Esse guarda-chuva é meu! Meu filho que me deu!

Eu não tinha mais tempo para essa loucura, eu tinha que descer já antes que perdesse o ponto, então resolvi pegar no colo dela o meu guarda-chuva, mas a velha danou a gritar. - Tarado!! Tarado!! Está querendo passar a mão em mim!

Logo um homem que estava do lado dela olhou com raiva para mim, todo o ônibus voltou a atenção para a senhora que estava com uma expressão de indignação. Eu rapidamente tentei me explicar.

- Calma, senhora. Eu não ia fazer nada com a senhora. Aconteceu um mal entendido! Eu apenas ia pegar o guarda-chuva!

- Ah,então apesar de tarado, é ladrão também?? – disse a Senhora puxando o guarda-chuva para si e gritando em seguida – Alguém tire esse ladrão tarado perto de mim! Ele tentou me roubar e ainda abusar sexualmente de mim!

As pessoas no ônibus começaram a me xingar e eu não acreditava no que estava acontecendo. Não era possível que ninguém tinha visto a senhora se oferecendo para segurar o meu guarda-chuva!

- Vocês estão enganados! Ela se ofereceu para segurar meu guarda-chuva! Eu apenas ia pega-lo porque já tinha chegado no meu destino! – Tentei explicar-me.

- Ah, e ainda por cima me chama de mentirosa! – disse a senhora aos gritos.

A essa altura eu já tinha sido ofendido de todas as formas e empurrado. Agora ameaçavam mandar o motorista parar perto do posto policial! Tentei descer do ônibus e não deixaram, um homem enorme que deveria ter 1.90 cm me segurou. Ele disse que eu era um canalha, que não deveria ter mãe.

A senhorinha estava aos prantos, dizia que nunca faltaram tanto com o respeito com ela! Que sonsa! Que vaca!

Eu nunca fui um homem medroso, mas que situação! Eu estava quase me borrando!

Mas eis que a velha folgada diz algo diferente entre seus soluços após todo o drama. – Eu como sempre fui bondosa, eu perdoo ele. Afinal, deve ser um pobre coitado que não tem onde cair morto, um infeliz que não deve ter tido sorte na vida, um desgraçado que foi largado pelos pais e que não tem caráter! Não precisam chamar a polícia.

E todos do ônibus aplaudiram o feito nobre da senhora. Eu realmente fiquei emocionado com tantos elogios que ela proferiu contra mim. Resolvi ficar quieto para não piorar a situação.

A discussão morreu ali deixando um clima ruim pairando no ar enquanto o ônibus chegava no ponto final, finalmente eu poderia sair dali.

Resolvi deixar todo mundo sair primeiro para despois descer. Cada pessoa que passava na minha frente se despedia de mim com um olhar de desprezo e um palavrão.

Uma mulher loira arrastava para fora do ônibus uma menina que estava fazendo bico, ao passar por mim a menininha deu um pisão no meu pé e me chamou de “bobo”.

Desci arrasado do ônibus, perdi meu guarda-chuva e o dia. Estava longe de casa, do trabalho, no fim do mundo e na chuva. Já estava decidido, eu compraria um carro!

Quando desci vi a expressão de revolta da velha se transformar em alegria ao ver um jovem que a estava esperando, ele tinha traços idênticos ao dela. Ao ve-la eles se abraçaram.

- Mamãe, vi que a Lurdinha deixou a senhora no ônibus sozinha em vez de te acompanhar. Ela sabe que a senhora não pode andar sozinha, mesmo que salte no ponto final e que eu esteja te esperando aqui. Tudo por causa da sua amnésia.

- Ah, eu cheguei bem meu filho – disse a senhora sorridente.

- Ainda bem! Que guarda-chuva é esse aqui, mãe?

- Não sei filho. Como veio parar na minha mão?

Dita Spieluhr
Enviado por Dita Spieluhr em 12/05/2008
Reeditado em 12/05/2008
Código do texto: T986793
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